sábado, 21 de fevereiro de 2009

um YOP versão Lobo Antunes, por Rita Faria

Olá senhor doutor, desculpe vir outra vez incomodar, mas é que os comprimidos que me deu da última vez não estão a resultar, estou pior do que nunca, sinto-me mal, dói-me a cabeça, não consigo dormir. O problema, senhor doutor, o problema é esta roupa, obrigam-me a andar assim por causa do trabalho, já me custa ser tão branquinho, agora este rótulo azul claro, senhor doutor, não consigo suportar, não consigo, é mais forte do que eu, tenho tanta vergonha, porquê este rótulo azul-claro?! Já pedi tantas vez para mudar, mas não me deixam, dizem-me que esta é a farda, a fardamenta, e eu a pedir, eu peço, eu imploro, “por favor, ao menos um rótulozinho azul escuro, ao menos deixem-me usar um azul escuro”, mas eles não, eles lá na empresa a dizerem-me “não vês que se não fores azul claro ninguém te compra, as criancinhas não gostam de ti, as mamãs não gostam de ti, não tens um ar saudável, não convences ninguém”, e eu desesperado, senhor doutor, não aguento isto, é que não aguento, quer dizer, na vida privada sou uma coisa, no trabalho obrigam-me a ser outra, na vida privada ando todo de preto, ponho-me a fumar, qualquer dia ando na droga, e no trabalho é o azul clarinho, é o ser saudável, é o ser queridinho e fofinho, não sei, não aguento, ando de cabeça perdida, senhor doutor, é bom que me ajude, porque eu o azul claro não aguento, eu a vida saudável não aguento, ou o senhor doutor me dá uns comprimidos que resultem, ou da próxima vez que for ao supermercado não há iogurtinho azul clarinho para ninguém, está a perceber, porque se eu me for embora, vou eu e vão os meus colegas todos, e se eu me decidir atirar ponte abaixo, atiro-me eu e atiram-se os meus colegas todos, e depois o iogurtinho para os meninos como é, senhor doutor, como é?! Hã?
Ao menos um rótulo azul-escuro, senhor doutor. É só o que peço. Um rótulo azul-escuro. E mais uns comprimidos, se faz favor.

Sem comentários:

Enviar um comentário