quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Os espiões portugueses saem do armário


crónica de Carlos Natálio


Em tempos de crise lá se vai vendo uma ou outra notícia que nos deixa mais confiantes. É com grande orgulho que vemos Portugal afirmar-se como país onde a democracia não é só verbo de encher e se pode finalmente espiolhar a vida dos outros às claras. Com dignidade. Falo, claro, da recente divulgação acidental de uma lista com a identidade dos nossos espiões pela Presidência de Conselho de Ministros. Sobre este caso, o motivo de maior regozijo é saber que os hiperserviços de segurança, através do seu hipersecretário geral, fizeram de imediato saber que tudo não passou de um lapso. Na verdade, a lista dos "nossos rapazes" não era para ser divulgada na intranet mas sim na... internet, um espaço relativamente menos aconchegado com considerável maior número de pessoas.
Para mim, é, desde logo, uma agradável surpresa constatar que o governo sabe o que é a intranet - uma espécie de internet mas mais introspectiva, mais Francisco José Viegas. Depois, porque acho que não há um português que não fique a sentir-se mais seguro ao saber que temos um hipersecretário. Ainda por cima geral. Senão quem se reuniria todos os dias com os "ultra-ministros", na sua caverna "pu" trás de São Bento, para resolver os "arqui-problemas" da nação? É trabalho sujo meus amigos, mas alguém tinha de o fazer. Agora já sabemos quem.
Ao que tudo indica a divulgação dos nossos espiões terá sido motivada por um pedido de livre trânsito que daria à nossa secreta o acesso a cantinas, recintos desportivos e espectáculos. Todos nós sabemos que a actividade de espiar é dura e ingrata. Para quem não sabe, a espionagem consiste basicamente na tarefa de viajar por todo o mundo vestindo apenas uma gabardina, um par de óculos e uma pasta, em busca de microfilmes. Tratando-se de empreendimento tão desgastante é normal que de vez em quando precisem de descomprimir e o mínimo que o Estado Português podia fazer era pagar aos seus espiões o jantarito no Chimarrão e o concerto do Demis Roussous a seguir. O que é justo, é justo.
Outras fontes adiantam que este lapso teve origem num processo para a criação de uma identidade secreta para cada espião. Ora, tudo parece fazer sentido, tudo parece bater certo, senão fosse o pequeno detalhe de se ter achado graça à criação de uma identidade alternativa.... através da divulgação massiva da verdadeira. "Ora portanto, o sr. João Fernandes, 35 anos, altura e peso tal, morador na rua tal, a partir de agora passa a chamar-se João "Esquilo Implacável". Tá bom?"
Mas entretanto o sr. João passa a ter de aturar conversas como esta à saída do prédio. "Olha, o Sr. João. Tudo bem? Vi-o na net no outro dia. Fica bem de gabardine... Não sabia que era espião. Que giro! O meu mais novo faz é atletismo. Cada um é para o que nasce. Bom, até logo, prazer em vê-lo." Já para não falar em confusões de identidades que podem levar a que num belo dia de Inverno, o sr. João Fernandes, serralheiro, 50 anos, seja baleado no crâneo com uma 16 milímetros enquanto janta pacatamente com a família e depois lhe seja revistada a panela do guisado em busca de microfilmes. Microfilmes, microfilmes... Mas porque sempre os microfilmes? Não era mais cómodo uma pen, um ipod, um DVD+R? Isto é gente que é info-excluída.
O único senão de toda esta situação é o facto da criação deste novo estatuto para os espiões portugueses ser tão burocrático. Ao que parece o simplex ainda não chegou à actividade da espionagem. É preciso fazer para cada espião uma ficha... com nome... fotografia... morada... Se por um lado facilita a avaliação dos espiões, o que está muito na moda, o tempo que se perde a preencher, a conferir, a redigir, é inacreditável. Aposto que se 007 trabalhasse em Portugal era "praí" o 707, ainda contando com as 10 senhas de tolerância. A não ser que chegasse umas horinhas antes de abrir para não dar chance aos reformados.

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