sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

sem que

Tinha a capacidade de perceber toda a complexidade do mundo. Compreendia o conceito de “saudade”, “espaço-tempo” e “mais ou menos”. Conseguia desenvolver fórmulas para explicar coisas complicadas. A última descrevia o comportamento de uma bola de sabão. Tinha uma inteligência sentimental fora do normal e um desempenho sexual arrebatador. Era simpático para as pessoas e sabia cozinhar. Se soubesse atar os sapatos seria o homem perfeito. Conseguia compreender o conceito de nó. Era capaz de reconstituir mentalmente os passos necessários para o fazer, podia até escrever uma dissertação sobre a física dos atacadores, com equações cheias de letras gregas e vectores e força e resistência e tracção e peso e variáveis inesperadas. Podia escrever uma tese sobre a história do calçado e sobre a improbabilidade de muitos sapatos continuarem, ainda hoje, a depender de cordéis para se manterem presos aos pés. Mesmo assim não conseguia atar um atacador. Isso irritava-o. Irritava-o ao ponto de julgar ter a incapacidade como um preço a pagar por saber fazer tudo o resto. Podia até nem fazer muito sentido, mas estava disposto a perder todas as capacidades em troca de uma. O senhor alto e magro entrara há 2 minutos no quarto com uma caneta e um papel e propôs-lhe o acordo pela segunda vez. Decidiu aceitar. Assinou os papéis e voltou a adormecer.
Rui Braz

Sem comentários:

Enviar um comentário