sábado, 21 de fevereiro de 2009

A espera


crónica (quase conto) de João Silva

Apanho-me sentado nas minhas coisas, suspenso por acontecimentos onde não posso intervir.
E é enquanto espero por notícias dela, ou de alguém dela, que me cresce no pensamento isto da espera.
Isto de se esperar por tudo e por nada.
Nunca gostei de esperar, principalmente quando não conheço o desfecho das coisas. Mas hoje a espera deu-me para isto. Deu-me para a dissecar.
A espera pelas pessoas. E o que se espera das pessoas, principalmente.
Quando esperamos, vivemos num balão de oxigénio minúsculo com tendência para diminuir. Vivemos intervalos. Retiram-nos os pés do chão e colocam-nos um tecto invisível para também não desatarmos a voar e ali ficarmos. Puxam-nos a gola do casaco na nuca até nos dizerem a muito custo quando a espera acaba
- Prossegue lá.

E é engraçado, porque mesmo quando fisicamente não esperamos, quando não há uma hora, um comboio, alguém a chegar, acabamos por esperar.
Esperamos algo – e muito, por vezes – de alguém.
Esperamos palavras, gestos, meios para os nossos fins.
Expectantes, somos todos comboios que se apanham. Uns mais leves, como os que vão para Torres. Outros mais carregados. Os da manhã, para Lisboa.
Lembro a história de um amigo brasileiro que tentou as dobragens em S. Paulo. O Brasil tem muito mercado para tal trabalho e ele, amante do cinema americano, bom de inglês, arriscou. E arriscou convicto que esperavam muito dele. Esperou e disse-lhe depois o quase patrão no seu brasileiro inglesado:
- Tu não levares o menor jeito para isso.
Esperava outra coisa, esse amigo. E percebeu que, afinal, dele não esperavam nada.
Ou então o velho que vi nas notícias. O que mora na caverna e que não quer nada de ninguém. O velho teve a audácia de não querer esperar nada de ninguém. E ninguém esperou nada dele. Até ao dia em que um entrevistador lhe invadiu as pedras e esperou que ele lhe revelasse os segredos da solidão.
O velho falou pouco, como se esperava.

Espera-se muito dos outros. Demais, até.
É uma espera sem números electrónicos e sem pressas, por vezes. Mas muito mais devastadora.
Eu, dela e agora, espero notícias. As melhores.
E com ela aprendi a não esperar o resto. A manter a cabeça neste momento aqui, em vez de a atirar para o que aí vem a seguir.

Tento fazê-lo em tudo. Mas é difícil para um impaciente, como eu.

Se fizermos o exercício de não esperar nada de alguém, somos surpreendidos. E essa surpresa vale muito mais que os comboios que chegam a horas, os pontos picados antes do tempo e a reunião da hora marcada.
Tudo isso, com mais ou menos certeza, sabemos que vai chegar.
Agora, quem me diz a mim que os outros hão-de me dar aquilo que deles espero?
E é neste preciso ponto de interrogação que chegam as notícias dela:
- Estou curada. – sorri.
E eu sorrio com ela.
Juntos, ensinados por isto tudo.
Mas, confesso, sem evitar esperar pelo que há-de vir.

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