quinta-feira, 30 de abril de 2009

exercício: juntar numa cena a minha personagem com a de um colega


Segue o TPC.
É uma cena entre o Vicente e a Julieta (personagem da Ana Isabel).
Tem curtas aparições de personagens de outros colegas.




João Madeira da Silva









Cena de “SOCIOGLOTA” (título de trabalho)



01 – int. – escadaria da ursula noite

A porta do prédio de Ursula fecha-se. Vicente e Julieta sobem a escada muito íngreme agarrados às paredes e a rir. Não acenderam a luz. Riem baixinho para não acordarem os hóspedes. Quando chegam ao primeiro patamar descalçam os sapatos.

julieta
Temos de nos descalçar?
Vicente sorri curvado a tentar tirar as botas pesadas. Julieta, aparentemente bêbeda, vai-se metendo com ele.
vicente
Temos. Mas está difícil.

julieta
Por causa do barulho? Não queres que saibam que estou aqui contigo, é?

vicente
É por causa das limpezas. Para não levarmos porcaria para o quarto.
Julieta continua a meter-se com ele.
julieta
Chamaste-me porcaria, Sr. Rabisco?

Vicente consegue descalçar a primeira bota e,
desengonçado, agarra Julieta na cintura.
vicente
É. Tenho o hábito de insultar as raparigas que trago para casa.

julieta
Achei que ias dizer cama...
Alguma tensão. Ele beija-a e volta-se
Rapidamente para a segunda bota.
vicente
Agora lês os pensamentos, é?

Julieta beija-o agarrada ao seu pescoço.
Ele levanta-a e ela descalça lentamente
as sabrinas, usando apenas os pés, sempre
a beijá-lo. Depois larga-o e sobe rapidamente
as escadas enquanto ele descalça a outra
bota.
Vicente
Não faças barulho, ou temos visitas.
Julieta continua até chegar ao quarto.
Depois de descalçar a bota, Vicente sobe devagar.

02 – int. casa noite

Vicente abre a porta do quarto e Julieta
está só de cuecas a fazer um passo de ballet.
Ele senta-se na cama e observa-a a mudar
de posições devagar, como se ensaiasse.
Ele arregaça as mangas da camisa
enquanto conversam calmamente.

julieta
Sabias que se costuma dizer que se alguém é bom a dançar também é bom a...?

vicente
Isso quer dizer que fazes tudo em bicos de pés?

julieta
Olha, nunca tinha pensado nisso... Talvez faça, sim.

vicente
Pois eu não costumo dançar.

julieta
Nunca?

vicente
Nunca. E não é por não saber ou não gostar. Nunca se proporciona.

julieta
Se não o proporcionas é porque não gostas verdadeiramente. Eu danço quando me apetece.

vicente
Sim, mas, lá está, tu gostas verdadeiramente. Eu, no meu caso...

julieta
Desenhas quando te apetece.

vicente
Exacto.

julieta
E porque não me desenhas agora, Sr. Rabisco?

vicente
Porque não paras quieta.

Ela pára, sorridente. Aproxima-se dele e senta-se
no seu colo. Encostam as testas.
julieta
Não consigo ficar quieta para ti.

vicente
Fazemos assim... tu não páras. E eu não danço.

julieta
Combinado.

Ela afasta-se um pouco e tira dois cogumelos
de uma pequena bolsa das calças.

vicente
Já?

julieta
Não consigo estar quieta.

Devagar, Julieta come um dos cogumelos.
Depois, enfia a mão dentro das calças de Vicente.
Ele encosta a cabeça para trás e fecha os olhos.
Sente que ela lhe coloca o outro cogumelo na boca.
Puxa-lhe a cara e beija-o, sempre com a outra mão
dentro das calças.
julieta
Desenha-me com os olhos.

Vicente come o cogumelo e rapidamente
todos os sentidos estão mais despertos.
Sente os dentes a cortar o miolo do cogumelo
como lâminas e toda a magia a espalhar-se pela saliva,
pelo sangue e pela mente.
Cai para trás e nem se apercebe da forma como
Julieta, lentamente, o despe.
Na sua cabeça o quarto anda a volta. Começa a suar.
Olha para o lado e na mesa de cabeceira está
o livro de Fernando Pessoa, no mesmo sítio.
Em cima dele, Fernando Pessoa está sentado, como
se estivesse na Brasileira.
fernando pessoa
Não se esqueça da porta, meu caro. As portas merecem muito respeito.

Vicente assusta-se mas percebe perfeitamente
a alucinação.
Olha para a porta entreaberta e vê Julieta a fechá-la.
À medida que volta para a cama vai ficando
gorda e mais baixa. Disforme.

julieta
Não te sentes a perder peso?

vicente
Olhando para ti... Parece que não consegues perder peso. Mas perdeste altura.

Julieta senta-se em cima dele. Já está normal
aos olhos dele. Estão ambos nus.
julieta
Que engraçado. E como é que me vês, agora?

vicente
Vejo-te como se te desenhasse.

julieta
A carvão?

vicente
Sempre a carvão.

JULIETA
Então se me desenhas, também tenho de dançar.

Ela mete-se em pé e encosta-o para trás,
Deitando-o na cama. Começa a percorrê-lo com
as pontas dos pés. Ele deixa-se levar pelo embalo
de tudo e volta a olhar para a mesa de cabeceira,
onde Fernando Pessoa se mantém.


FERNANDO PESSOA
Não se preocupe, estou de saída. E aproveite-a. Seja qual for a forma dela agora, será sempre ela. A que o meu amigo escolheu para si.
Julieta puxa-lhe a cara e Fernando Pessoa
desaparece.

julieta
Deixa-me dar-te o que tenho.

vicente
Claro que deixo.
De que outra forma te poderia desenhar?


FIM

IMPREVISTO, Paula Cardoso Almeida


01 – ext. – ILHA DO PORTO manhã

Uma rua estreita, sem saída. Mais ou menos a meio avista-se um homem vestido com uma bata às riscas e quadrados verdes e brancos, e calçado com umas pantufinhas de lã. Está a varrer vagarosamente o passeio que dá entrada para a sua casa.

CORTA PARA

02 – Ext. – ILHA DO PORTO

Aproxima-se, devagar, um BMW preto que acaba por parar mesmo ao lado do morador atarefado. No interior do automóvel está um homem elegante, vestido de fato e gravata. Os óculos escuros escondem-lhe o rosto, mas o cabelo branco denuncia que já ultrapassou a barreira dos 40 anos.

Raul
Bom dia meu caro amigo.

Vaidoso, passa as mãos pelo cabelo, puxando-o sedutoramente para trás. O morador observa-o timidamente.

Jacinto
Bom dia senhor (com pronúncia do Porto, trocando os bês pelos vês).

Raul
Creio que estou perdido. Será que o meu caro amigo teria a amabilidade de me ajudar? (esboça um rasgado sorriso, exibindo uns invejáveis dentes brancos e alinhados)

JACINTO
(baixa os olhos) Se eu souber…

raul
Talvez saiba. Mora aqui há muito tempo?

Jacinto
Desde que me conheço como gente, senhor. E olhe que já vou a caminho dos 57 anos.

RAUL
Esplêndido! Estou a ver que o destino me apresentou o homem mais bem informado da zona. É um prazer conhecê-lo, meu caro.
Desliga a chave, tira o cinto de segurança e
sai do carro. Aperta mecanicamente os
botões do fato e só depois estende a mão para
cumprimentar o morador.

RAUL
Dr. Raul Pinto.

JACINTO
(limpando as mãos à bata) Jacinto ao seu dispor, senhor doutor. (faz uma vénia)

RAUL
Jacinto… Vou dar-lhe um conselho, meu caro. Um homem diz sempre o primeiro e o último nome, e o título, se o tiver.

JACINTO
Eu não tenho grande coisa senhor doutor. Mesmo o nome só tenho o da mãe porque nunca tive pai.

RAUL
São situações que me partem o coração. Foi por causa de pessoas como você que eu decidi ir para a política. Quero ajudar essa gente que não conseguiu dar um pontapé na má sorte.

JACINTO
Aaaaah! Pensei que o senhor doutor era médico…

raul
(dando uma gargalhada) Meu caro Jacinto, nos dias que correm ser médico não é nada de extraordinário.

JACINTO
(pensativo) E o senhor doutor também aparece nas notícias? Eu não sou doutor, mas já falei na TVI. Sabe lá o senhor doutor as invejas que houve aqui na ilha.

RAUL
Calculo… A conversa está agradável, mas meu caro Jacinto tempo é dinheiro e eu não posso perder nem uma coisa nem outra.

JACINTO
Pois está claro que não. Uma pessoa tão importante como o senhor doutor aqui a perder tempo com um borra-botas como eu.

RAUL
Não se subestime Jacinto pois o meu destino está nas suas mãos.

JACINTO
Nas minhas mãos senhor doutor? (nota-se uma certa inquietação no tom de voz) Mas como é que um pobre coitado como eu lhe pode ser útil?

raul
Meu caro, antes de mais, diga-me se posso contar com a sua discrição?

Jacinto
Peço desculpa senhor doutor, mas não percebi.

RAUL
Oh homem! Perguntava-lhe se você sabe guardar um segredo. Não me diga que aqui no Porto são todos de compreensão lenta? (dá uma gargalha maldosa)

A expressão de Jacinto altera-se ligeiramente.
Recomeça a varrer, mas desta vez apressadamente.
Pára passados dois minutos e fita em jeito de desafio o interlocutor.


JACINTO
Não gosto que falem comigo dessa forma. Eu não sou burro!

RAUL
Pois… Eu sei. Desculpe, mas a minha vida depende daquilo que o Jacinto me contar.

jacinto
Mas eu nem sei se sei aquilo que o senhor doutor tanto quer saber.

RAUL
(com um ar muito sério) Pois bem. Vou contar-lhe tudo, desde o início. Há um mês anunciei a minha candidatura à câmara municipal da Moita e estava tudo a correr muito bem até que na semana passada recebi uma carta em que me ameaçavam de, caso eu não desistisse da candidatura, divulgar um segredo pavoroso capaz de arruinar a minha carreira política.

JACINTO
E que segredo é esse, senhor doutor?

RAUL
Nem eu sei ao certo o que é. Só sei que tem que ver com a minha esposa e que foi algo que ela fez quando ainda era solteira e vivia aqui no Porto.

JACINTO
A sua senhora é daqui da rua, senhor doutor?

RAUL
(gesto de repugnância) Chiça! Você diz cada coisa homem. Não se vê logo que eu sou de outro nível?

JACINTO
Já não percebo nada. Mas então que mistério tão terrível pode ter a mulher de um homem da sua categoria, senhor doutor?



Raul desvia o olhar para o chão, tira os óculos
e faz uma expressão quase tão trágica quanto patética.

RAUL
Ter abandonado um filho

JACINTO
Ai que isso não se faz. É que nem os animais…

RAUL
Poupe-me aos moralismos Jacinto. Neste momento o que eu preciso é de saber se esse rapaz existe e se vive aqui. Depois arranjarei uma forma de o silenciar.

JACINTO
Eu também queria saber muita coisa…

RAUL
Deve ter à volta de 20-22 anos. Pense lá se conhece uma pessoa com essa idade que viva com alguém que não seja nem pai nem mãe.

JACINTO
O senhor doutor Raul é o pai?

RAUL
Você pensa em cada coisa. Claro que não. Se fosse o pai a minha mulher não tinha escondido isso de mim. Irra!

JACINTO
(pensativo) Assim é difícil…

RAUL
Pensei que nestes sítios todos soubessem da vida de todos.

Jacinto
Sabemos aquilo que vemos e ouvimos.

RAUL
Está a deixar-me nervoso homem. Não me está a esconder nada, pois não?

JACINTO
Vocês lá de Lisboa desconfiam sempre da gente, que se calhar até somos mais honestos. Se o senhor doutor ao menos me dissesse como é que o rapaz se chama.

RAUL
(visivelmente irritado) Porra! Você é uma pessoa muito complicada. Acha que se eu soubesse o nome dele estava aqui a fazer conversa consigo?

JACINTO
(a entrar em crise psicótica) Pois, e eu sou um caralho de um Deus. Vou meter o dedo no cu e adivinhar como se chama o filho que a puta da tua mulher abandonou.

RAUL
(completamente embasbacado) O Jacinto sente-se bem? É que me parece um tanto ou quanto alterado. Eu só quero saber quantos jovens de 20 anos é que há aqui na rua e vou-me logo embora.


jacinto
(rindo desalmadamente) Já sei. Só um momento senhor doutor que eu vou ali à minha casinha buscar a lista e já volto.

corta para


03 – Ext. – ILHA DO PORTO
Jacinto deixa cair a vassoura. Está completamente histérico.
Aos pinotes, embrenha-se por uma reentrância
labiríntica que dá acesso a um conjunto de casas.
Não demora mais dez minutos. No regresso,
de sorriso em riste, traz um papel na mão.
Raul está ansioso e estupefacto, ao mesmo tempo.

JACINTO
Tcharã. Cá estão eles. Agora é só escolher. (sacode o papel, segurando-o por uma ponta, como se estivesse a aliciar Raul a arrancar-lho das mãos)

RAUL
Dê-mo se faz favor.

JACINTO
Não sei se dê, o menino Raul está a portar-se muito mal e eu gosto que me peçam com jeitinho.

RAUL
(suspira enervado) Oh homem! Não me deixe nesta ansiedade.

JACINTO
(estende a mão, decidido) Aqui está.

RAUL
Mas…Mas… Mas isto é um talão de supermercado. (trémulo)

JACINTO
Não, não. Isto é a resposta que o senhor presidente da câmara procurava. Não queria que eu o ajudasse?

RAUL
Tem razão. A culpa é toda minha. Eu é que não devia meter conversa com malucos.

jacinto
Vai-te foder meu grande filho da puta. Tu é que não bates bem dos cornos e o louco sou eu?

RAUL
Já percebi que cometi um erro ao confiar na sua boa fé.

JACINTO
(volta a pegar na vassoura) Pensas que por falares bonito és mais do que eu? Pois fica a saber que és o maior monte de merda que já apareceu por aqui. Drogados e bófias passam por aqui todos os dias, mas políticos cornudos é a primeira vez.

RAUL
Não me insulte por favor. (põe os óculos) Bem, foi um prazer falar consigo Jacinto. Voltarei um destes dias, com um detective particular, para acabar o que comecei.

JACINTO
Estás a gozar comigo meu filho da puta. (levanta a vassoura em tom de ameaça) Eu já não te disse quem é o filho bastardo da galdéria da tua mulher? (gritando)

RAUL
(ignorando) Bem, até à próxima, então.

JACINTO
Isso, põe-te nas putas antes que te dê cabo do cagueiro.


Desanimado, Raul aproxima-se do carro, que está completamente sujo de excremento de pombas. Abre a porta, senta-se, aperta o cinto de segurança e liga a chave. Amarrota o papel que Jacinto lhe havia dado e atira-o pela janela. Recosta-se no banco por uns instantes e arranca. Pelo retrovisor avista Jacinto a acenar-lhe e a curvar-se para fazer uma vénia completa. É quase hora de almoço.



A rua está deserta. Vê-se um miúdo a passar pelo local onde há instantes estava estacionado o BMW preto de Raul. Um papel caído junto a uma tampa de esgoto chama a sua atenção. Abaixa-se para o apanhar e, curioso, desembrulha-o. De um lado está uma lista de compras. Do outro lado, lê-se numa escrita hesitante: AS PAREDES TÊM OUVIDOS E EU NÃO QUERO QUE DIGAM QUE EU SOU BUFO. É O NETO DA VELHA DO N.º 73 SENHOR DOUTOR. ASS: JACINTO DORIA, 4º CLASSE.


Cena do Metro, (Jesus e Júlio) por Ana Costa Ribeiro


01 – int. – Estação de metro (hora de ponta) Dia


O metro chega. Júlio está entre a multidão, é o primeiro junto à linha amarela. Traz uma pasta. Júlio carrega o botão que abre a porta da carruagem e ao entrar evita tocar na linha amarela com os pés.
Limpa o suor da testa com um lenço de pano que tira do bolso das calças.
Senta-se em frente a Jesus. Olha diversas vezes o relógio (nervoso).

Jesus ouve música com headphones, curte a música. Observa Júlio pelo reflexo da janela.

Toca um telemóvel. Júlio atende. Jesus baixa o volume do leitor de mp3 e ouve a conversa.



Júlio
Sim, o próprio.
...
Só estou livre a partir das 16.
...
Muito bem.
...
Diga-me a morada.
...
Júlio, atarantado, retira da pasta que está cheia
de livros, uma agenda e uma caneta.
Rabisca na agenda.
Como combinado.
...
Amanhã então.
...
Claro, até amanhã.


Júlio guarda apressadamente tudo na pasta. Chega à sua estação. Quando vai a sair, a agenda cai na confusão.
Jesus levanta-se, apanha a agenda de Júlio e tenta sair da carruagem atrás de Júlio mas a porta fecha-se.

Jesus fica de pé. Abre a agenda. Não tem identificação. Folheia as páginas. Só tem moradas escritas nos dias da semana. Parece código. Procura o dia de amanhã, onde também está escrita uma morada.

Jesus senta-se e tira os headphones.

Do bolso do casaco Jesus tira um pacote de açúcar onde se lê em caligrafia um número de telefone e a mesma morada.


Voz off feminina
A campainha não funciona. Quando chegares dá-me um toque.

Jesus fecha a agenda.


Jesus
Fuck.

Um doce tenor, curtinha de Paulo Carregosa

01 – ext. – Sede Local do PSD (Seixal)

Imagem da sede do PSD no Seixal. O plano foca inicialmente a sigla do partido e a bandeira.
Avança depois para uma das janelas da sede.



corta para


02 – int. – SEDE

Numa mesa redonda Paulo e Raul estão a combinar a estratégia para a campanha autárquica. No entanto, falam também de outras coisas nomeadamante de fofoquices e formas de tramar outros companheiros de partido (1)



Raul
É como te digo o tipo é “muita parra e pouca uva”. Conhecemo-nos na Faculdade, ele depois interrompeu o curso e casou com a gaja das Doce, a Fá. Lembras-te dela?

Paulo
A tipa das Doce? Lembro-me perfeitamente! Eh pá, e agora anda a dar entrevistas armado em intelectual a dizer que leu livros que nem sequer existem…O barbuças do Pacheco é que o desmascarou.
E anda a tramar a Manela. Porra, onde é que já se viu um gajo a organizar movimentos, a dar palestras. Está a correr por fora à espera que ela caia.

Raul
Pois o Passos Coelho é um gajo do caraças. Ambicioso até mais não. Irra, que é demais!!
Mas tem boa presença e voz, disso não há dúvida, que são coisas importantes nos dias de hoje.
Encontrei-o há dias e tivemos a recordar velhos tempos. Ele há coisas do caraças, e esta tu não sabes de certeza. Tivemos aulas de canto juntos, há uns anos com uma professora do conservatório que por acaso também é de Aguiar da Beira…

paulo
Sim, eu li ou ouvi que ele, se quisesse, tinha sido tenor porque tinha voz para isso.

raul
Olha, nós éramos os melhores tenores só que eu era um bocadinho superior a ele.
Eu, depois, e por curiosidade, ainda tirei uma pós graduação em ventríloco.
Mas a fofoquice que eu te queria contar é a seguinte. Eh pá, estas coisas são como são. O Pedro é um bom rapaz mas todos temos os nossos pontos fracos, e o que é facto que ele tem um passado que não gosta que venha à tona. Eh pá, não sei se é por receio de ter sido casado com a tal tipa das Doce e que isso lhe tire credibilidade… O que até é estúpido porque foi há tanto tempo…

Paulo
Porra, desembucha lá que já estou em pulgas!

Raul
Vais-te rir…
Pois o nosso companheiro PPC não pode ouvir alguém a cantar o “Ali Babá” das Doce com voz de tenor!! Imagina…
(Raul canta a primeira estrofe da canção)
com a sua voz de tenor)
Eh pá, mas fica completamente desorientado! Esta mistura de regresso ao passado dá cabo dele!
Não consegue articular duas ideias seguidas e lá se vai a clareza do raciocínio.
Não percebe as perguntas, responde a gaguejar, é um descalabro!

Paulo
Mas isso é bestial, pá!
A Manela vai gostar de saber isso, e a nossa questãozinha com ela é capaz de se tornar… como dizer, insignificante!


corta para

03- INT. SEDe do PSD Nacional

Vê-se o portão da sede.
No interior Manuela Ferreira Leite está a
escrever quando o telefone toca.

ManUela
Sim, quem fala?

Paulo
Olá Dra, é o Paulo, como está?

Manela
Olá Paulo Rangel, ainda que bem me liga….

Paulo
Nâo, Dra Manuela, não é esse Paulo. É o Paulo Cunha, do Seixal, como está?


Manuela Ferreira recolhe o sorriso e põe um
ar mais grave

MANUELA
Olá, como vai?

PAULO
Oh Dra Manuela, estou aqui em reunião com
Raul, o Dr. Pinto, lembra-se dele?


manuela

Oh Paulo, eu acho que já fui clara quanto a esse assunto. O Dr. Pinto não vai poder ser cabeça de lista à Assembleia Municipal de Aguiar da Beira e simultaneamente candidato à Assembleia Municipal aí do Seixal, ainda que em lugar não elegível. São coisas que retiram credibilidade, percebe?

PAULO
Mas, Oh Dra Manuela, a propósito de credibilidade tenho uma história para lhe contar que é capaz de lhe interessar…

manUela
Ah, é?? E que história é essa??
Paulo pisca o olho a Raul

Paulo
O Raul.. .perdão, o Dr. Pinto, conhece uma historieta do PPC bem engraçada e talvez um pouco embaraçosa, que diz??
Manuela Ferreira Leite
ajeita-se melhor na cadeira e
tira os óculos
MANUELA
Quero que ma conte, e já agora que seja verdade, é a minha politica como sabe…

PAULO
Pois cara Dra Manuela o Dr. Pinto conheceu o PPC há uns anos. Andaram juntos na Faculdade de Economia e tiveram aulas de canto no Conservatório.
O Dr.Pinto descobriu que o PPC, vá-se lá saber porquê, tem uma questão mal resolvida no passado com a qual tem dificuldade em lidar…

MANUELA
Ah, sim?? E que questão é essa??

PAULO
Pois o nosso amigo,não vai acreditar, fica perturbadíssimo quando ouve alguém cantar com voz de tenor o Ali Babá das Doce!! Imagine isto no meio de um debate ou numa palestra!!
Setinha para cima, não Dra Manuela??

MANUELA
Não acredito, Oh Paulo!! O “piqueno” tem esse problema? Pois eu sabia da história com essa Fá das Doce, acho que já estão divorciados, e também das afinidades dele para o canto, mas … que interessante…
Mas, oh Paulo, como é que isso se processaria, digamos que, em termos operacionais??

PAULO
Tinhamos que infiltrar aqui o Raul, certamente com recuroso a disfarces, nos locais e às horas onde estivesse o PPC.
Imagine uma entrevista à saída daqueles colóquios que ele organiza…
Há uma pergunta da repórter da SIC, e o Raul disfarçado de jornalista com um cubo de uma outra qualquer estação de rádio ou TV começa a cantar a tal canção.
É que há um detalhe que ainda não lhe contei o Raul é ventríloco, de forma que não é muito fácil saber quem está a cantar, e nesse entretanto os sinais de perturbação começam a fazer-se sentir! Que me diz??

MANUELA
Olhe Paulo, estou sem palavras…
Não sei o que lhe dizer…

PAULO
Oh Drª Manuela e quanto à questão da acumulação do Dr. Pinto? É que ele dava-me um jeitaço aqui no Seixal. É uma pessoa muito séria que gosta de políticas de verdade e amigo do seu amigo, como se pode ver nesta história.

MANUELA
Ok, vou analisar melhor. O argumento que serviu para dizer que não havia credibilidade pode também funcionar em sentido contrário ou seja, como está no Seixal em lugar não elegível é a prova provada que não queremos enganar ninguém. Aparece num lugar simbólico, tá a ver oh Paulo? Eles comem…
Mas olhe que ainda nem estou em mim, era difícil uma notícia que me pusesse mais bem disposta…
Estou rodeada de dois Paulos de luxo. Você e o Rangel.
Se fosse professora de matemática punha o Paulo em evidência, abria parêntesis e lá dentro ficava Rangel + Cunha e voltava a fechar parêntesis! Ou seja, o nosso slogan passaria a ser:
Paulo Rangel + Paulo Cunha=
=Paulo (Rangel + Cunha) = Política de Verdade
É a propriedade distributiva da multiplicação
aplicada à política.
A questão é que a populaça não é lá muito forte em matemática, e provavelmente mais uma vez eu não seria compreendida…


(1) Num partido democrático as traições e jogos de poder são coisas normais.
É um trabalho como outro qualquer. É um facto que não é remunerado. Mas dá-lhes um gozo…)

A despedida de (He)Lena



conto de Ana Costa Ribeiro

Encosto-me ao tanque de lavar roupa e calço as botas que trago na mão. Ao longe reconheço um vulto. Um homem cava a terra, segura uma enxada, repete o movimento. É madrugada ainda, corre uma neblina, ouvem-se chilreios e água que segue numa levada. Está frio, trago as mãos nos bolsos. Desço à terra pelo carreiro. É o meu pai que cava lá em baixo. Quando me vê suspende o movimento da enxada, segura-a com uma mão, mais parecendo que é agora a enxada que o sustém a ele. Tira o chapéu e limpa o suor da testa com as costas da mão.
Estou a arranjar o caminho para as águas das chuvas correrem. Antigamente aquele era um campo de milho, no terraço escolhiam-se maçarocas, algumas abóboras estão alinhadas no muro, parecem guardiãs da terra, servem de pouso aos melros. Ninguém faz isto por mim. O meu pai já não tem a força que tinha, mas alguém tem de continuar a calçar as botas. Noutros tempos os caminhos andavam sempre arranjados. Dou-lhe um beijo e ele volta a colocar o chapéu. Desculpa ter-te feito vir aqui abaixo.
Regresso a casa pelo mesmo carreiro. Tenho a mala à porta desde ontem à noite. A minha mãe ainda está deitada, sei que não dorme porque a ouvi mudar de posição na cama. De noite os ruídos são projectados um mar de vezes, uma gota que pinga da torneira, o gato que desce do peitoril da janela, a madeira de um móvel que range. Nem eu nem a minha mãe gostamos de despedidas.
Ontem ao final do jantar ficámos os três ao lume. Junta mais essa madeira. Os joelhos quase a ferver, as pestanas quentes, os olhos baços, o fumo da chaminé passeando-se pela casa, as paredes tornando-se escuras. E eu recordando como se sente o cheiro a lume quando se entra em casa, como cada casa tem o seu cheiro. Eles continuaram, contaram a história de como aprenderam a missa em latim e quando se riam o padre castigava, contaram a história do homem que fugia da polícia, contaram que para se cozinhar um peixe do rio há que lhe retirar o céu da boca. E eu ouvi as mesmas histórias a duas vozes, ambos contando a mesma coisa pelas suas palavras, eu sempre no meio. O peixe é apanhado acima da barragem. (Abaixo da barragem a água é parada.) Chega a pesar doze quilos. (Alguns com mais de doze quilos.) Tem que se tirar os dentes. (Os dentes dão um mau sabor.) Não são bem os dentes, é mais o céu da boca. (Perto das guelras.).
Duas horas depois o meu pai ficou sozinho a remexer as brasas, com um copo de vinho na mão. Eu e a minha mãe dirigimo-nos para quartos contíguos. Ela não se despiu, deitou-se sobre a colcha da cama, apertou o peito com as mãos. Fiquei por momentos a observá-la da porta, pela luminosidade tosca que entrava pela janela. Vi o seu corpo enrolado sobre si mesmo. O que tens?, perguntei. Dói-me aqui, Lena. Reparo que quando me tratam carinhosamente esquecem-se do He, o meu nome perde uma sílaba e ganha afecto. Ela aponta o peito. Sento-me à beira da cama, inclino-me para lhe dar um beijo e sinto o cheiro a sabonete da sua pele. És boa rapariga, espero que não te falte nada. E foi esta a nossa despedida.
Agora já estou longe. O vapor de água da expiração embacia a janela do comboio. Limpo o vidro com a manga da camisola, lá fora o mundo corre paralelo à linha férrea. Continua. A cidade é bem maior do que o meio palmo no mapa que estudei antes de partir. Entretanto é dia, o sol subido envia vectores de luz povoados com pequenos pontos de pó. Sobre o meu colo adormeceu um livro, ficou marcado com o bilhete da viagem.
Quando finalmente é anunciada a próxima estação sinto um arrepio na nuca, aproximo-me da saída, ato o cabelo, enrolo o cachecol ao pescoço, respiro fundo, seguro a mala e desço os degraus até Lisboa. Parece agora tudo tão claro.

exercício: juntar numa cena a minha personagem com outra

Antes de começar, a síntese da personagem da Susana Crispim:

Jorge de Couto Galvão, 42 anos, solteiro, bom aspecto, advogado mas sem muito advogar. Vive com o pai e a tia no Chiado. A mãe morreu no parto (lacunas na educação, imoralidade) e ele nunca viu um retrato seu. Jorge vai a festa, leva mulheres para casa. É egoísta e interesseiro, mas agora está apaixonado.



Na Rua do Alecrim

“(…) do Chiado ao Cais do Sodré só dista a Rua do Alecrim.”

Frank subiu a pé, contra os funcionários que começavam a descer para o Cais do Sodré. Alguma das duas igrejas lá em cima havia de assinalar as cinco horas. Ainda não, ainda não. Apressou o passo e entrou a correr no edifício novo do tribunal. Os sinos começaram a tocar nesse instante e Frank pára, absorto, em frente à escadaria, a recuperar o fôlego e a ajeitar o uniforme, tonto da corrida, incomodado com o tocar violento dos sinos das duas igrejas, frente-a-frente pouco acima, já no Chiado, que pareciam competir pelo marcar das horas que passam. Imaginou que alguém que não conseguisse perceber que um sino era do Loreto e outro da Encarnação podia pensar que eram dez horas, em vez de cinco. É o seu novo uniforme de polícia, mesmo imoralmente suado, que impede as pessoas que por ele passam de lhe perguntarem o que faz ali especado. E daí pensou também que as dez horas já não têm esta luz de fim de tarde que passa pelas janelas do tribunal, uma luz que parece descer a rua como os funcionários do tribunal e cair no rio, enquanto se faz a noite. As dez horas têm de ser as da manhã… E de tanto pensar, pensou que ouvia uma música “leve, breve, suave/canto de ave”, lembrou-se do poeta na esplanada, a escrever sobre as igrejas que se defrontam de hora a hora. E de tanto pensar, ali parado no corredor, caiu num desvario, transe da corrida, do cansaço, da tensão dos últimos dias. Para piorar, viu flores e pensou que morreu. E estava assim, parado, a pensar que gostava de ser velado lá em cima no Chiado, quando um toque no ombro veio despertá-lo:
– Não tenho muito tempo. Diga ao que veio.
À sua frente, o doutor Galvão, com um grande ramo de flores na mão. Impaciente, de sorriso em espera. Frank pensou que o doutor havia de ir sentar-se na Bénard com uma bela senhora e a beleza dela e este ardor que traz de a ver não o iriam permitir reparar nos sinos que tocam a dobrar. Frank recompôs-se. Chega de desvario. Respirou. Estava vivo; as flores não eram para o velar.
– Dois minutos, doutor.
– Diga.
Hesitante. Como explicar? A palavra alhada parecia-lhe pouco.
– Eu… bem… eu acho que me meti numa alhada.
– Uma alhada legal?
– Mais uma alhada moral…
– Então vá falar com o padre que eu não tenho muito tempo.
Pensa que talvez esteja a cheirar mal e encolhe-se de vergonha. Mas logo se concentra no que o trouxe e insiste:
– Doutor, é importante… não sei a quem mais recorrer.
– Vá, desembuche, homem, que eu tenho de me ir embora.
– Bem… sabe o tipo que trouxeram ontem? Eu estive a falar com ele lá em baixo na esquadra e acho que ele é inocente…
– Inocente, humm? Mas foi você que o trouxe, não foi?
– Fui, mas a conversa do homem… pareceu-me mesmo… sabe… tenho quase a certeza de que ele é inocente…
– Mas diga-me lá, o que é que disse o júri?
– Culpado. Vai para Tires.
– Então deixe a justiça funcionar, homem, e não pense mais nisso.
– Mas, doutor, eu falei com ele. Ele não fez nada de mal.
– E o que é que você quer fazer agora?
– Não sei, pensei que o doutor talvez me pudesse ajudar. Não sei bem o que fazer.
– Homem. Você acabou de chegar, ainda não conhece como é que as coisas funcionam. E está a deixar-se afectar. Não deve deixar isso acontecer. Você fez a sua parte: soube de um crime e avisou as autoridades. A partir daí, já não é consigo.
– Não foi bem um crime…
– Não foi? Então foi o quê?
– Foi conduta suspeita.
– Mas o júri condenou-o, não foi? Então vai dar ao mesmo.
– Mas, doutor… doutor, puseram-me frente a frente com ele. E eu acho que ele não faz mal a uma mosca.
– Homem, mas você não tem de achar nada. Se o júri condenou, está feito, está acabado. E você tem de se deixar destas conversas, senão ainda o denunciam a si também. Onde é que já se viu estar a defender um criminoso? Componha-se, homem! Você agora é um dos nossos.
– Desculpe, doutor, mas pensei…
– Não pense mais. Não quero ouvir falar mais nesse assunto. Nem a si nem a ninguém, percebeu? Vá, componha-se. Assunto arrumado. E agora tenho de me ir embora. Uma boa Páscoa para si, homem.
– Obrigado, doutor, desculpe doutor, para si também.
Viu-o sair e ficou a vê-lo subir o resto da rua até ao Chiado. Parecia levitar. Frank invejou-lhe a leveza e pensou que o doutor Galvão era bem mais velho do que ele. Deve ser uma questão de atitude, pensou. Ou então é o dinheiro que os impede de envelhecer. E de pensar duas vezes em certos assuntos. Ou então é a beleza das mulheres que apaga o resto. Ou então sou eu que sou um asno. Virou-se e desceu. Ia ainda pesado, mas era levado pela multidão de funcionários que continuavam a sair das repartições e a descer em direcção ao Cais do Sodré.

Sílvia Otto Sequeira

o fato imaculado


D. Aurora da sua janela viu-o crescer. Lembrava-se dos joelhos esfolados, a camisão fora dos calções, o jogo da bola com os amigos.
Via-o chegar da escola e, fanfarrão, contar aos amigos feitos e tesouros que só em sonhos teria.
Recordava a ida para o liceu, esforçada ainda que sempre um pouco atrás dos outros. A entrada para a faculdade, as namoradas.
Observava D. Aurora o esforço dele por esconder as suas dificuldades: as correrias das aulas para o emprego nocturno, as mentiras para que ninguém soubesse que vivia acima das suas possibilidades.
Um dia, sentindo-se a avó que ele nunca tivera abordou-o, ofereceu-lhe ajuda. Altivo, ignorou-a. Já na altura, D. Aurora percebera que todos sabiam que aquele pobre era como na história do rei vai nú: só ele ainda acreditava no que queria parecer aos outros.
Deslumbrado, seguira os mais fortes, mais ricos e poderosos, em vez de se aliar aos que como ele poderiam ter ajuda sem nada mais em troca que o rótulo de miserável.
Agora ali estava ele. Adulto, pobre. Continuava a ver os amigos de sempre. Pobres eles também agora. Não tinha a quem recorrer e pior, a quem seguir o exemplo.
D. Aurora só podia sentir pena daquela alma vaidosa que apenas se preocupava em parecer. A última vez que o viu, estava num fato impecável. O cabelo desalinhado, a barba por fazer, adivinhava-lhe os bolsos mais que vazios, rotos. Mas por fora, o fato imaculado.

Marta Spínola

Adão Vicente Biscaia

Adão é um advogado com 43 anos.
É solteiro e vive sozinho numa vila portuguesa, onde o mais interessante que existe é o Museu do Jurássico.
É um cavalheiro à antiga.
Despede-se com ósculos.
Da sua vida amorosa, não se conhece nada.
Preserva, há mais de 20 anos, uma barba acentuada que lhe permite criar uma barreira com o mundo.
Não tem a pele clara nem escura, é simplesmente transparente.
Descendente de uma família conservadora e muito religiosa, aos 18 anos pediu à mãe para tirar todos os santos e crucifixos do seu quarto.
É muito ligado à família e tem um grande sentido de protecção.
Veste roupa antiquada, embora se perceba o esforço por aparentar alguma modernidade.
Bebe gin com água das pedras.
Como desbloqueador de conversa, trauteia um “Shubidubidu” ou um “Jingle Bell”.
Entre mexer com as mãos no cabelo, como se espantasse um enxame em fúria, dar pequenos toques arritmados nas pernas ou piscar descontroladamente os olhos, tem tiques. Muitos.
As portas do seu carro, fruto dos tiques constantes, estão amolgadas.
Já escreveu diversas peças de teatro, as quais encenou, mas nenhum dos actores amadores o levava muito a sério.
Nas poucas experiências como actor, o seu verdadeiro sonho de vida, transforma-se. É brilhante e consegue provocar o silêncio da plateia.
Faz rir com o seu humor muito próprio, mas, na maior parte das vezes vezes, ninguém entende as suas piadas.
Tem uma cultura desmedida.
Gosta de provocar, utilizando, inteligentemente, a sua postura aparentemente inocente.

Rita Pereira

Perfil do fantasma

Henrique Vaz Oliveira nasceu a 6 de Abril de 1881 no Monte, pequena vila da ilha da Madeira e morreu a 24 de Fevereiro de 1939 exactamente na mesma cama onde nasceu.
Homem nobre, de famílias abastadas, pouco fez na sua vida para além de gerir patrimónios e a sua própria vida social. Casou-se com Matilde, também ela de sangue azul e teve 7 filhos, todos homens. Era gordo, tinha um bigode farfalhudo e fumava cachimbo. Tinha os olhos azuis, muito pequeninos e afastados um do outro. Andava de bengala por ter nascido com uma perna menor que a outra. Esta pequena deficiência o impedira de ter uma infância normal pois não podia correr e brincar como os outros meninos. Esse problema interferiu com a sua personalidade, tornando-o inseguro. Para disfarçar essa insegurança gritava com tudo e com todos quando algo não estava do seu agrado e falava constantemente de si como um ser superior, a ver se convencia os outros e a si mesmo. Era um homem culto, leu todos os livros da gigante biblioteca que possuía no rés-do-chão do seu casarão. Ligava muito às aparências visto que era disso que vivia, não possuía outro talento que não fosse o de parecer mais do que na verdade era. E a verdade era que estava falido, não sobrava muito da fortuna que herdara. A maior parte do seu esforço centrava-se em fazer com que ninguém descobrisse isto, principalmente a sua família, que acreditava piamente na riqueza do velho. Mas quem foi em vida não nos interessa muito, uma vez que vamos conhecê-lo apenas na morte, como um fantasma que assombra a casa construída pelo seu bisavô, o duque do Monte.

Henrique é um fantasma inconformado com a sua morte ridícula. Foi uma espécie de suicídio acidental. Andava paranóico, acreditava que um dos seus filhos queria matá-lo para ficar com a suposta fortuna. Dormia com um antídoto que revertia o efeito de qualquer veneno que lhe pudessem dar. Na noite fatal, comeu qualquer coisa estragada e quando se deitou sentiu-se mal. Achou que o tinham envenenado e tomou o antídoto que acabou por o matar. Quando “acordou” morto não queria acreditar na estupidez. Jurou não sair jamais de casa, para não correr o risco de encontrar um fantasma amigo seu e vê-lo a rir-se da sua cara. Assistiu a tudo. Ao seu velório, à incredulidade na cara da família quando descobriu que estava falida, à venda da casa a completos estranhos. A sua missão de morte ficou nesse momento definida: nunca deixaria nenhuma família sem origens ocupar a sua nobre casa. Ao longo dos anos, outros fantasmas juntaram-se a ele: dois dos seus filhos, uma neta, um casal de criados e o seu bisavô que na verdade nunca tinha saído dali. Henrique é um fantasma confiante, perdeu a sua insegurança juntamente com a sua bengala, agora não há nada que o impeça de mover-se livremente, nem peso tem, apesar de manter a aparência exacta que tinha no momento da sua morte. Como agora tem uma missão e objectivos claros na sua cabeça transparente (coisa que nunca teve em vida), tornou-se num homem, perdão, num fantasma competente, inteligente, forte, seguro de si mesmo, com um grande espírito de liderança. Resumindo, é um fantasma assustador, daqueles que não convém ter em casa, principalmente quando a casa é dele e ele não nos quer por perto. O problema é que ele vai ter de mais uma vez mudar um pouco a sua personalidade, uma vez que está numa situação delicada: a sua casa está em ruínas graças ao seu sucesso. Uma casa sem gente começa a cair aos bocados e nenhum fantasma (nem mesmo um tão bom no que faz como ele) tem poder para reconstruí-la. Para sobreviver (ou sobremorrer, neste caso) terá de agradar os seus novos inquilinos e isso, é uma coisa que ele ainda não sabe fazer e vai ter de aprender.
Andreia Ribeiro

a meio da noite



Um quarto de hospital.
Cama e mesa de cabeceira.
Um cadeirão.
Paredes cinzentas.
No tecto, um candeeiro de
globo.
Só um doente.
Uma enfermeira, sentada
na borda da cama, fala com
o doente. Às vezes pega-lhe
na mão, põem-a no seu joelho,
e faz-lhe uma festa.

Enfermeira – Olhe, vou-lhe fechar a luz, é quase noite. A meio da noite venho vê-lo.
Doente – Sabe, em toda a vida, a senhora enfermeira foi a única mulher que eu vi a meio da noite. A minha mãe, a memória não chega lá.
Ef – É impossível. Eu sei que o senhor é solteiro, mas é uma pessoa tão meiga, tão interesante.
Dt – Você disse que era impossível? Mas foi possível. Tão possível que me aconteceu a mim. Um amigo meu – chamava-se Vicente – teve um desgosto de amor. Como uma gripe. A seguir andou a tentar perceber porque razão as pessoas se aproximam e separam. Acabou por ir para Amesterdão, porque, dizia ele “lá posso ser qualquer um que decida ser. Nada me define para sempre”. E tinha razão.
Eu fiquei por cá, senhora enfermeira. Andei toda a vida sem pensar sequer em definir-me. Como uma gaivota à superfície da água que não pensa quando irá para terra ou quando voará para o ar.
Nunca quis decidir nada. E fui assim até hoje. O Vicente foi à procura de uma coisa que eu nunca pensei sequer procurar.
Tive uma vida simples. Não tive conflitos, nem valores. Só sentimentos.
Vivi sozinho. Às vezes visitava a família e nada na minha vida mudou a partir dos vinte anos. Para trás, era mais complicado falar. Mas desculpe enfermeira, estou para aqui a confessar-me. Com a sua mão na minha. Você é o padre, eu sou o moribundo.
A enfermeira sai para o corredor e
fala com uma colega.
Ef- Esteve-me a contar a vida. Está lúcido, mas diz coisas que não percebo. Aqueles olhos, Joana, ao mesmo tempo agudos e toldados – ele diz que sempre teve um olhar incompleto - (isto por exemplo, não percebo), o sorriso que me faz quando abre os olhos e fala comigo, provocam-me uma sensação que me choca mas me agrada. Nunca me aconteceu isto. Gosto tanto de lhe pegar na mão.
A enfermeira volta a entrar e
recomeça a falar com o doente
Ef – Vou fazer-lhe a última festinha de hoje e fecho a luz.
Dt – É, sempre tive as mãos assim, abertas. Dá ideia que não querem agarrar nada.
Ef - Vá lá, não seja filósofo. Uma vez vi um artigo seu no jornal.
Dt – Oh! Escrever! Foi para isso que andei na escola. Escrever é usar bem uma caneta.
Ef – Antes de fechar a luz, desculpe, mas queria dizer-lhe uma coisa. O senhor provoca-me uma sensação estranha, mas boa. Não percebo mas há qualquer coisa – não sei se é a sua franqueza – que faz com que eu deseje pegar-lhe ao colo, como a uma criança, não me leve a mal, é ternura por si. E embalá-lo até o adormecer.
Mas que disparates, vou é fechar-lhe a luz.
Dt – Adormecer, já sinto esse sono. E também eu sinto uma sensação de embalo. Você parece-me uma mãe que atrasadamente me embala.
Desculpe, mas estou cansado.
Ef – Durma, durma senhor Fernando. Qualquer pessoa, quando está doente, deve tentar é descansar e não pensar em nada.
A enfermeira sai.

E Fernando Pessoa adormeceu definitivamente a meio da noite.

António Oliveira

ARLINDA, de Helena Pereira

Segue o perfil da Arlinda, e já agora, se ajudar, o link da música extremamente panisga que serviu de pano de fundo para a compor e que lhe deu o tom:
Mas sem comentários, se faz favor, que não tenho a culpa que o meu cérebro resolva entrar em shuffle automático de vez em quando, e vá buscar coisas que nem me lembro onde as ouvi. Mas de qualquer modo, essa é a música da arlinda.
Uma balzaquiana recente, completou 30 anos há apenas um mês. É uma mulher bonita, atraente. Loira, cabelos ondulados, olhos verdes de gata, enfeitiça à passagem. O nome fora do comum é herança de uma tia da mãe, que morreu em pequena. Ela detesta-o, mas vai de encontro à sua personalidade carismática.
É a mais nova de 4 irmãos, todos rapazes. E apesar de filha bastarda, é amada por todos eles. O pai - que ela mal conheceu pois morreu quando ela tinha apenas 6 anos, abandonou a mulher e os 4 filhos rapazes para ir viver um grande amor ao lado da sua mãe.
Canta divinalmente, desde pequena, e sabe disso. Em compensação, Cerelac é o prato que melhor sabe cozinhar.
Ganha a vida a cruzar os céus - é piloto de aviões.
Forte, dinâmica, extremamente racional, não tem medo de nada.
Quando está com a neura pega nas sapatilhas e vai correr com o Boris, o cão que a adoptou numa dessas muitas corridas. Está a começar a ter aulas de kickboxing.
Fala pouco, mas ri como ninguém. Tem os tais, poucos mas bons, amigos.
A pessoa que mais ama na vida é a avó Maria, a mãe do pai, que a juntou aos irmãos e lhe possibilitou fazer parte de uma família.
Aqui e ali, empresta o corpo a casos sem importância. O coração, está amarrado onde não faz sentido nenhum estar: ao homem que a violou aos 19 anos de idade, num banco de um fiat uno vermelho, lhe ensinou o significado da palavra aborto, e que saiu da sua vida. Mas que teima em reaparecer sempre que ela acha que já o esqueceu.

storyline de Andrea Ribeiro

A casa mal assombrada

Um grupo de fantasmas assombra uma casa que acaba por ficar em ruínas por estar muito tempo desabitada, eles vêm-se então obrigados a agradar os novos inquilinos, o que pode tornar-se ainda mais assustador.

Eu, Jorge de Couto Galvão

Gosto de mim. Ponto. E é tanto assim que não confio a ninguém a tarefa de me descrever. Odeio mesmo quando, nos inúmeros eventos sociais para que sou solicitado, alguém decide apresentar-me: «Este é o Jorge, tem 42 anos, é solteiro, um excelente partido e advogado nas poucas horas livres». Que redutor! O nome está certo, a idade é só um número e o estado civil e profissão pouco importam.
No espelho vejo um homem interessante de quase 1,80 m, corpo bem trabalhado no ginásio e olhos cuja cor é para muitos sinónimo de traição. É certo que as rugas já vão aparecendo, mas não creio ter que recorrer a implantes capilares tão cedo.
Vivo com o meu pai e a minha tia numa casa solarenga ao Chiado. «Com essa idade, eis o defeito número um», dirão. Esqueçam: tenho uma bela área só para mim, posso entrar e sair sem que se apercebam e as beldades que têm a sorte de me acompanhar até casa nem sonham que ali vive mais alguém. Bem, na verdade as que lá chegam não têm muito tempo para sonhar.
Sou mesmo advogado num escritório que dá renome à família há gerações. Exerço pouco, nada, mas sempre vou dando alguma felicidade ao meu pai. Já basta ter ficado sem o amor da sua vida quando eu nasci. Nunca conheci a minha mãe. Só posso acreditar que era tão bonita quanto o meu pai diz – seguramente saí a ela -, pois não há em toda a casa um único documento que ateste o que ouço desde sempre. Se pergunto à minha tia porque não há nem um retrato, ela responde-me, sempre de fugida, que o irmão não aguentaria o desgosto de ter que olhar para ele. Houve alturas em que a curiosidade me fazia vasculhar armários e gavetas à procura de uma fotografia esquecida. O tempo e alguns anos de psicoterapia ajudaram-me a ultrapassar esse vazio.
Acho que já disse que vou a muitas festas. Só não disse que muitas delas são chatas, cheias de pseudo-jet-set e de tias oferecidas que adoram roçar-se nos meus fatos Ermenegildo Zegna. Às vezes mais vale ir ao encontro do sexo genuíno, nos sítios onde não há lugar para subterfúgios. Afinal, do Chiado ao Cais do Sodré só dista a Rua do Alecrim.
Tenho amigas (algumas), amigos (poucos) e conhecidos (demais). Para a cama costumo levar mulheres, mas umas flutes a mais de D. Pérignon já me fizeram acordar com homens ao lado. Nos dias de hoje não me parece que tal possa ser encarado como um possível segundo defeito.
A minha vida não se resume em queixas, mágoas ou arrependimentos. Vou fazendo o que quero, quando quero e com quem quero. Há quem diga que sou egocêntrico, egoísta, daqueles que pensa que o dinheiro compra tudo. Talvez até seja um pouco assim, mas nos últimos dias tenho dado por mim a pensar mais noutro ser que na minha pessoa. E que ser! Agradeço a hora em que deixei que me arrastassem para a despedida de solteiro do Gonçalo. Se não fosse isso, jamais teria conhecido a Rita. É mais velha, eu sei. Talvez não seja a nora ideal para apresentar ao meu pai, também sei. Mas tenho a certeza que os momentos mais importantes da minha existência ainda estão para acontecer e que vão ser com ela ao meu lado. O que espero da vida? A partir de hoje, tudo de bom.
Susana Crispim

storyline de Marta Spínola

Um homem tem como ocupação planear assaltos a casas para outros. Observa, projecta e entrega. Aceita encomendas e aconselha larápios. O seu sonho é encontrar a casa impossivel de assaltar, projectando ocasionalmente assaltos à própria habitação.

Perfil de Vicente

Vicente tem entre vinte e trinta anos, cabelo despenteado e barba e vestuário em desalinho. Desenha muito bem e vive com o pai, escritor, em Lisboa.
A mãe deixou-os muito cedo, fazendo com que criassem uma relação forte em que trocam constantemente de posição pai e filho. Parecem ambos ter a mesma idade, sendo esta indefinida.
Vivem bem, sem problemas financeiros, numa casa cheia de luz, música e papel onde os amigos costumam aparecer.
Apesar de ser bastante terra a terra, Vicente é também muito aluado. Não tendo dupla personalidade, pode-se dizer que vive em duas velocidades diferentes.
Muito pragmático, organizado, pontual, calculista e prático – características que o ajudam muito na sua rapidez a desenhar, por conseguir captar imediatamente todos os pontos que formam as linhas de cada coisa – é também despreocupado, educado, de fácil trato, bom conversador e bem-humorado.
Acabado o curso de Belas-Artes, Vicente investe numa relação muito forte com a namorada, melhor amiga e companheira de sempre.
Um dia ela deixa-o.
Ele não percebe porquê. E começa a interessar-se pelo fenómeno da interacção social. Como nos damos uns aos outros, em que timings nos damos aos outros, porque nos damos aos outros. E porque nos deixamos uns aos outros.
A tentativa de teorização e racionalização destes fenómenos deixa-o obcecado e começa a viver uma vida de análise, de teste com os que o rodeiam. Sente-se o centro de um Universo seu em que tudo pode e deve ser justificado.
Foge para Amesterdão para começar de novo, para se perceber no mundo.
E é aqui que nada disto que o define interessa.
Porque lá ele pode ser qualquer um que decida ser.
Nada nos define para sempre.
João Madeira da Silva

'Saiam da frente', de Pedro Lavado



StoryLine: A história de um casal de “tunners”. As amarguras, as desilusões, as perseguições da polícia, as contra informações, as apostas e a descriminação social por serem diferentes.


Perfil das Personagens:

Roberto: Adepto do Belenenses, 45 anos, Construtor Civil, 9º Ano. Relativamente bem fisicamente, 1.80, um pouco calvo. Bastante vivaço, com estilo moderno sem ser pimba, “self made man” à portuguesa. Viu no “tunning” uma arte e uma forma de ser alternativo. Gosta de acelerar no seu Mitsubishi Eclipse como se não houvesse amanhã. Está junto com Íris mas já foi divorciado, tem dois filhos da primeira mulher. Vive com Íris à 2 anos.

Íris: Sócia do clube de leitores. 30 Anos, Modelo fotográfica, 12º Ano (medidas todas no sitio, mas já tiveram mais). Abandonou a escola cedo demais para as suas capacidades intelectuais e deu inicio à sua carreira profissional na moda. Estava farta das conversas ocas do seu grupo de amigos da moda, de levar sempre a mesma vidinha monótona. Quando conheceu Roberto num concerto acústico dos Delfins, apaixonou-se e decidiu seguir-lhe os passos no mundo do “tunning”.
Presentemente, tem um Subaru Impresa com jantes Douradas.
Gosta de adrenalina e de roupas justas.


“O outro lado do ”tunning”, um grande contributo para a causa. Arrebatador.”
In Revista Auto Tunning


“A minha filha nesse filme está mais magra, Jorge se a vires dá-lhe comida. Está tão enfezada.”
In Revista Maria

Perfil de Jesus



(de Ana Costa Ribeiro)

35/40 anos.
Natural da Jamaica. Ideologia rastafari, aspecto cuidado, sem rastas.
Vive em Alfama, quarto alugado, com dois filhos. É pai solteiro. Classe média baixa.
Sempre de headphones de grande formato (ouvindo reggae).
Gosta de flores, conhece nomes de espécies, trata das mesmas. Não sabe cozinhar bem mas esforça-se.
Consegue um microcrédito e investe numa loja de discos. Atende os clientes e deseja-lhes uma boa páscoa.
Usa um amuleto estranho que beija frequentemente (há de ter relação com qualquer pormenor importante da sua vida e da história).
Durante a viagem de eléctrico para o trabalho, escreve num bloco de notas a lista de tarefas para o dia ou semana, que mais tarde irá conferir com um visto.
Não bebe nem consome drogas, porque já foi dependente.
Gosta de palavras cruzadas e de filmes de artes marciais.
Tira todas as semanas uma fotografia aos filhos.
Ambição: ter dinheiro para sobreviver e garantir um bom futuro aos filhos, mantendo-se longe das drogas.

Perfil de Júlio Venâncio

Descrição física

Um homem nos trintas, aparentando mais idade.
Fraca figura, franzino. Cabelo castanho claro, encaracolado, cortado de dois em dois meses a dia 3.
Óculos grandes para a estrutura ossea da cara e fora de moda.
Usa sempre calças azul Vegas 1981, e um blusão creme. A roupa está sempre impecavelmente tratada.
Carrega consigo sempre um saco de supermercado.
Para a maior parte das pessoas é apenas um homem que passa na rua.
A sua fisionomia não levanta suspeitas, para quem o vê é um pobre coitado, um tolo. No limite um nerd.


Perfil psicológico

Cresceu anónimo: em casa, na escola, no mundo.
Amedrontado com o escuro, refugiou-se sempre em livros para usar como desculpa a luz acesa até adormecer.
Determinado e vaidoso, o interesse pela História das Ideias levou-o à escrita de ensaios que envia para universidades, academias e jornais da especialidade. Fá-lo acima de tudo por vaidade, pela oportunidade de exibir os seus conhecimentos que vai explorando continuamente.
Os projectos para assaltos são a forma de ganhar dinheiro. Vê como a sua inteligencia e perspicácia ao serviço dos pobres de espírito.
É hipocondríaco. Saudável, desenvolve alergias e síndromes imaginárias que passam ao primeiro vislumbre de uma frase Goethe.
A sua fraqueza é música dos anos 80 que o desvia da concentração nos estudos e teorias. Aos primeiros acordes de Electric Dreams ou Eye of a tiger nao resiste a aumentar o som, sempre nos auscultadores. Os vizinhos mal dão por ele.


Inserção social

Solitário. A familia emigrou há 10 anos para a Austrália.
Não tem amigos, o contacto com a familia são postais electrónicos que programou para serem enviados em aniversários e épocas festivas.
Teve uma namorada. E um namorado. Ambos no mesmo mês. Não gostou de nenhuma das experiências. Dispensou a companhia de alguem em nome da purificação da alma e da mente.
Experimentou fumar, beber, cheirar cocaína. Tudo lhe pareceu menor e sujo.
Não guia. Anda preferencialmente a pé e só se necessário recorre a transportes públicos.
O pequeno-almoço é um quarto de Vigor e come uma bola sem creme todas as manhãs no mesmo café onde o conhecem, embora não interaja com ninguém.
O seu dia-a-dia divide-se entre as aulas de História das mentalidades Moderna e Contemporânea e observar habitações. Nessas alturas traça mentalmente formas de as invadir.
A ideia de vender as suas ideias surgiu por um medo antigo. Sempre que via uma casa onde gostaria de morar, a primeira coisa que verificava era se seria de fácil acesso para um ladrão.
Nunca lhe ocorreu assaltar ele próprio casa nenhuma, por cobardia. Pensou aterrado que talvez tivesse nascido para roubar. Afastou logo a ideia, mediocre para a sua inteligência. Venderia a sua astúcia a outros, mais ignorantes.
No caminho para a perfeição está algo tão terreno como ter a casa mais segura do mundo. Para isso arquitecta regularmente planos para um assalto à própria casa, mudando-se sempre que verifica ser possível. Muda-se sempre dentro do mesmo bairro.

Marta Spínola

Galinha do Campo & Galinha da Cidade



de Helena Pereira


Cara avó Cremilde, como estás?

Eu não vou lá muito bem. As galinhas poedeiras do aviário da Pontinha onde estou a trabalhar estão em greve há cerca de um mês já, recusando-se pura e simplesmente a porem mais ovos. Acusam a direcção de as estar a explorar, obrigando-as a trabalhar demasiadas horas seguidas sob uma má iluminação, que lhes tem secado as mucosas todas. Além disso, são pagas tarde e a más horas, sendo os farelos em volume insuficiente para suprir todas as suas necessidades.
Há por aqui uma enorme desigualdade na obtenção de oportunidades para ascendermos de poleiro, porque os melhores poleiros ficam sempre nas patas das mesmas. Por outro lado, se não atingirmos a produtividade esperada, somos facilmente descartadas e postas no olho da rua sem dó nem piedade. Não é de estranhar que os níveis de desemprego nunca tenham estado tão elevados como agora. .
Muitas destas minhas colegas, ao verem goradas as sua reivindicações, tem optado por regressar às suas capoeiras no campo, ou tentam fazer um rendimento extra no mercado negro – que isto vale tudo, para não se acabar num prato de moelas!
As coisas estão de tal forma que já oiço um burburinho sobre emigrar-se para prados mais verdejantes. As mais radicais pensam em operação para mudança de espécie. Não sei para quê, que as coisas para as vacas ou para os porcos também não estão melhores.
Esta greve delas, é o seu último recurso. Os galináceos do governo ficaram de lhes dar uma resposta até ao final desta semana, visto que o sindicato das galinhas – que as tem estado a apoiar, ameaçou estender a greve um pouco por todo o país.
Não sei no que isto tudo vai dar, mas para já, sabe-se, que se nada for feito, na Pontinha não haverão ovos para adornar esta Páscoa.

P.S: estou a poupar uns grãos de milho para ir viver para o pé de ti.. Creio que no campo ainda se respira melhor.

Beijos da tua neta.
Tonita

Do outro lado do espelho

O Rei sorriu, triunfante. Em boa hora faltara à Cimeira dos Estados Mais ou Menos Unidos da Europa para ir ao Congresso do Partido Praticamente Único. Fora recebido em braços e com gritos ululantes e manifestações de adoração, como se fosse uma estrela Rock. Até os carecas se haviam descabelado, em convulsões de “Sois Rei, sois Rei, sois Rei!”, o que era redundante, pois não havia dúvidas de que ele era o Rei, mas não deixava de ser simpático. Muito mais agradável do que ter que passar um dia de chuva, rainy day, na capital sorumbática dos Estados Mais ou Menos Unidos da Europa, em debates chuvosos e deprimentes de temas not so sexy como a falência do sistema financeiro mundial ou o descalabro da economia real. Depressining, esta história da economia real. No seu reino há muito que não havia economia real, coisinha brega, como diria seu irmãozão Lula, coisa de technologycally challenged…
Não, não tinha errado em não comparecer, deixando a sua cadeira vazia, empty chair, naquela cimeira deprimente e desnecessária, desde logo porque, no seu bonito reino feito à sua imagem, semelhança e escala, não havia sequer vestígios da turbulência económica que assolava o Globo, na sua globalidade. Abençoada excepção! E tudo, passe a imodéstia, graças a ele, the King! No seu reino, desde o raiar do seu esclarecido despotismo, que o povo (um dos aspectos mais desagradáveis da governação!) no seu conjunto, havia sido nivelado por baixo, pelo seu denominador mais ínfimo, pelo que não havia quebras do consumo a registar, pois o dito consumo há muito que havia sido consumido, como o Rei manda! It’s good to be the King!
Olhou-se no espelho e sorriu com todas as veneers que tinha na boca. Tinha sido eleito o mais belo rei dos Estados Mais ou Menos Unidos da Europa, e com toda a justiça, “if I dare say so (and I dare say so…”), porque era lindo. Em inglês técnico diria que era beautiful, overwelmingly beautiful, e estaria a pecar por defeito. Ah, ele e a sua inexplicável modéstia!...
No Congresso, os seus seguidores incondicionais do Politburo do PPU, o seu governo pupeteer e restantes “aparatchiques” tinham entrado em convulsão e histeria. Só mesmo Mick Jaegger e ele sabiam o que custa ser verdadeiramente belo e semear a adoração incondicional, para não falar do unconditional love nas mais vastas e diversificadas multidões.
À saída, a incauta e nada esclarecida populaça, um agregado indiscriminado de professores, enfermeiros, tractores e agricultores, para não falar dos infectos dos doentes, que se deveriam confinar às suas respectivas listas de espera, tinha cuspido entre dentes, entre os dentes que lhes faltavam a todos e a cada um deles, “disgusting!” um atoleimado “O Rei vai nu!”. Figure that! Disparate! Pois se o Rei veste Armani e calça Prada!
Na sequência do incidente e sempre com a pedagógica finalidade de educar o seu pequeno povo que não se educa nem se deixa educar, o Rei, kind, kind King, já preparara, numa sleepless, sleepless night, um decreto que aumentava as taxas e alargava o âmbito da matéria colectável, reduzindo, de uma só penada, as possibilidades de dedução à colecta. Era nestas noites sem sono que invejava Estaline e a liberdade criativa de que o Paizinho da URSS usufruíra de poder assinar sentenças de morte para chamar o sono! De certeza que dormiria como um bebé, depois de umas centenas delas assinadas. Agora, e no já não tão dealbar do segundo milénio, graças às inconvenientes incongruências dos tempos modernos, o Rei só podia redigir e assinar decretos e portarias regulamentares, pelo que privilegiava e acarinhava de uma forma consistente os de cariz fiscal. Lollaby, lollaby…
Sorriu, outra vez. Que bonito era! Que lindo teclado, que belo nariz, que lindo queixo! Mas, mais bonito que o seu belo físico, se possível, era o seu cérebro privilegiado, para não falar da sua alma compassiva. Gostava tanto, mas tanto dos pobrezinhos, que não se cansava de fazer novos pobres, em catadupa, torrentes, favelas, chusmas e paletes deles.
Era bom ser Rei daquele pequeno enclave de prosperidade, o único sítio do planeta que escapara ao efeito dominó dos esquemas de Ponzi dos Bernies Madoffs e afins. Naquele mundo conturbado, de falências, insolvências, carências e turbulências, o seu little kingdom rectangular era um porto seguro ─ um verdadeiro “freeport”, em inglês técnico ─ um oásis onde tudo seguia como dantes, no quartel de Abrantes, sem necessidade de recorrer a silly things como pacotes de estímulo, veja-se o desperdício…
“Salvem-se os banqueiros, nivele-se o povo, I dare say!” ─ regurgitou regiamente o Rei, no seu inglês tecnicamente flawless, regozijado e reverberante, olhando a sua real reflexão, sem saber que, do outro lado do espelho, o seu governo sombra e na sombra espiava os seus every mooves, tentando adivinhar as suas every moods, com bajulação e temor reverencial. Não seriam eles que chamariam a real atenção para o facto de que, no Reino encantado, Enchanted Kingdom, grassava a penúria económica, brotavam desempregados como incómodos cogumelos venenosos, faliam as empresas e as instituições e crashava a dita sociedade civil. Viviam num Virtual Kingdom, as simple as that, tão simplex quanto isso, e a realidade era depressing demais para ser enfrentada. Long live the King!


PS (no sentido de “post scritum”, that is): Este texto trata, como é óbvio, de Portugal e a crise.
Ana Sequeiros

quinta-feira, 9 de abril de 2009

exercício: metáfora de Portugal + Crise

O jantar estava magnífico. Paulo tinha cuidado todos os pormenores para impressionar os seus ilustres convidados e conseguira. À mesa, iguarias de todo o mundo desfilavam debaixo dos olhos esfomeados dos convidados. “Requinte e fartura” era o lema a que Paulo se tinha proposto naquela noite. Fizera tudo para cumpri-lo à risca e conseguira. Os convidados estavam impressionados, com todas as expectativas superadas. O que não era difícil, uma vez que todos os presentes naquela jantar viam Paulo como um homem simples, bonito – os seus olhos azuis banhavam um rosto suave e agradável, o seu corpo robusto transmitia uma espécie de segurança preguiçosa e as suas grandes mãos apertavam com força e confiança quem o cumprimentava pela primeira vez. Para eles, Paulo não passava muito disto: um homem agradável e simpático, hospitaleiro, capaz de manter uma conversa coerente, assim uma espécie de amigo da borga, bom para beber uns copos na esplanada e entreter um pouco. Nunca o levariam por exemplo, a fechar um negocio sério ou pediriam conselho numa questão de extrema importância. Paulo estava farto disto e este jantar serviria para mostrar que ele era um homem de bom gosto, que sabia onde encontrar o bom e o melhor, tinha dinheiro para juntar numa mesma mesa requinte, fartura e bom gosto e, mais importante que isso, conseguia entreter 30 convidados ilustres durante 3 horas com a mais intelectual das conversas. E assim foi. O jantar tinha chegado ao fim e fora um sucesso astronómico e gastronómico.
Paulo estava exausto, sentia-se como se tivesse passado a noite em bicos dos pés, tentando parecer mais alto do que realmente era. A casa estava agora vazia, suja e desarrumada. Paulo tinha posto todo o seu esforço, talento e dinheiro naquela mesa. Estava falido, cansado mas feliz porque afinal tinha o ego e a barriga bem cheios. Foi aí que deu-lhe uma grande dor de barriga. Paulo correu para a casa de banho e quase não chegava a tempo. Fechou a porta e castigou o pobre trono branco durante meia hora muito barulhenta. Quando finalmente acabou, esticou o braço e apercebeu-se do pior. Na azáfama dos preparativos esquecera-se de comprar papel higiénico para a sua própria casa de banho. E agora estava ali, após uma festa estrondosa, sozinho numa casa de banho malcheirosa, sem nada para se limpar nem ninguém a quem chamar para o ajudar.

Andrea Ribeiro

Talvez ainda haja esperança

(exercício metáfora de portugal + crise),

de Susana Crispim


Tinha pensado chegar cedo a casa. Afinal, para o bem e para o mal, dez anos de casamento devem ser celebrados.
A opção pelo último turno de trabalho, das sete às nove e meia, pareceu-lhe ser a melhor: estava sempre despachado um pouco antes das nove e isso ia ajudá-lo a cumprir a promessa. Mas agora começava a verificar que a coisa não era assim tão simples. Estava atrasado, na rua onde tentava estacionar não havia um único lugar e o prédio onde ia entregar as compras não tinha elevador. Já conhecia a D. Aurora há muito tempo, levava-lhe as compras todos os finais do mês e sabia que depois de subir os quatro andares a velhota o obrigava pelo menos a beber uma tisana reparadora. Isto enquanto lhe contava os últimos achaques, a indiferença dos filhos e comentava as desgraças que ia ouvindo nos noticiários da TV. Hoje ele não tinha tempo para isso. Dez anos com a Alice não podiam acabar porque uma simpática avozinha o tinha querido reconfortar com um chá.
«Se chegares depois das dez já não estou cá», dissera-lhe a mulher. «Estou cansada de tudo, não consigo nem sei se quero ultrapassar os problemas, aguentei demais».
«Bolas, Alice, dá-me mais um tempo. Vou acabar com as mentiras, cumprir as promessas, daqui para a frente vai ser melhor!» - pensara António sem dizer. Mas sabia que não valia a pena contrapor. As histórias do passado não o favoreciam e o presente ainda menos. Tinham mergulhado num ribeiro sem pé, sem hipótese de firmar âncora, tudo andava à deriva. Agora já não havia botes salva-vidas, coletes ou qualquer outro objecto que os resgatasse deste afundanço. Neste país costeiro, o seu casamento estava sem amarras que pudesse lançar e fazê-lo agarrar-se à terra. Ia acabar sabe-se lá como.
«Sim, que é?» - uma voz no intercomunicador despertou-o dos seus pensamentos.
«É para entregar as compras à D. Aurora, pode abrir?»
«Ai, Jesus, que não me alembrei de avisar os senhores para não virem. Sabe, é que a senhora sentiu-se mal, foi na ambulância e olhe.., coitadinha…, finou-se assim que chegou lá ao hospital».
«Ah, pois…» - foi só o que António conseguiu responder.
Deixou os sacos à porta, correu para a carrinha e arrancou com o motor ainda aos soluços.
«Alice, espera». Talvez ainda haja esperança.

story-lines de Rodolfo Bispo

-Uma velhota com o nome igual ao da Angelina Jolie recebe muitas cartas que não consegue explicar e começa a corresponder-se com os diferentes fans da Angelina Jolie.

-A história duma facção do exército português que ocupa a Espanha durante quinze dias e lhe muda o nome para Marisol .

-Um padre formado em Medicina incita a sua comunidade a ter uma vida mais saudável e culmina os festejos da Páscoa numa procissão religiosa em corrida.

-Ficção científica satírica. Os saltos dos sapatos das mulheres aumentam tanto, que no futuro a humanidade acaba por deixar de existir por causa da diferença de alturas (ninguém se chega a conhecer).

-Um documentário que mostre a incapacidade das pessoas de perceber que a letra da música "O Lado Lunar" do Rui Veloso é acerca de sexo anal.

-A história de como o Paulo Portas foi aliciado para o Lado Negro da Força.

-Uma comédia/documentário que procure mostrar resultados científicos que provam que a Ferreira Leite nem sequer é do nosso planeta.

-Um documentário falso/ficção científica. Os meandros da primeira campanha eleitoral à presidência da república por parte de um computador.

-O homem mais rico do mundo enlouquece de aborrecimento e oferece dinheiro para destruir peças de arte e assassinar pessoas famosas.

-Um médico legista é requisitado pelo governo em total segredo para realizar uma autópsia ao corpo de Cristo - e uma circuncisão ao Anti-Cristo.

-Um monstro verde e zangado descobre que se transforma num homem normal quando relaxa e faz Yoga.

-Um futuro próximo no qual as cópias genéticas estão tão banalizadas como as fotocópias. Por exemplo: Com o ADN de um copo sujo, o dono de um restaurante poderá criar dezenas de cópias do George Clooney mesmo antes de ele terminar o tiramisú.

-Situação em que a ciência prova finalmente a existência de Deus. O que cria uma indiferença automática mundial para com o Criador - Se Existe, então já ninguém se importa. (Juro que é a única forma de acabar a com a fé em Deus.)

-Um narrador ensina como escrever livros de auto-ajuda e começar a ser feliz. Uma série de pequenos episódios non-sense acerca de como melhorar o seu dia. Exemplo: Quando alguém estiver a bocejar sem tapar a boca e olhar para si, abra também a boca de modo ameaçador de volta.

A equipa do subúrbio

de Marta Spínola

A equipa do subúrbio entra pelas 9h. Mais coisa menos coisa.
Chegam de sacos, saquinhos, almoços e um livro aqui e ali. Entram no piso como em campo, e dirigem-se às suas posições, espalhando-se pelos lugares.
Primeiro exercício do dia: comentar a limpeza de quem acabou de sair. Tudo está imundo, não se percebe que vêm cá fazer. A frase mais ouvida: “Passou um vendaval na minha secretária ou quê?”. É um lance diariamente estudado.
Alinham-se e equipam-se para o resto do aquecimento.
- Trouxeste a manteiga? Vou andando.
- Está lá dentro. Quem ficou de trazer o pão?
- A Sandra. Está a chegar.
Pequeno-almoço em conjunto polvilhado de segredos de alcova… dos outros preferencialmente. Tostas, manteigas e doces light, que há dietas colectivas no início de todos os anos. De vez em quando, cereais e leite. Depois do primeiro trimestre pão saloio e bolos.
Seguem-se o que parecem ser exercícios de vocalização pelo tom em que falam. Há disputa da atenção dos presentes, frases estudadas para captar admiração de seus pares.
Voltam a dirigir-se aos lugares e… Começa o desafio, a exibição propriamente dito.
No fim-de-semana o tempo esteve mau. Isabel levou o estendal para dentro. O tempo mudou, trouxe o estendal para fora. Cláudia esteve a lavar a casa de banho e não reparou, ficou com a roupa ensopada. 1-0 Isabel na frente. Mas, reage Cláudia, o chão num brinquinho. Há empate técnico.
O super-lava-tudo do minimercado é mais barato que o lava-quase-quase-tudo-menos-gordura-em-copos do hiper aqui ao lado, anuncia triunfante Sandra. Ana não contava com este golpe, terá de repensar o contra-ataque. E já agora de passar a ir ao mini-mercado, mesmo que issso implique mais gasolina. 0-1 Isabel e Sandra empatadas.
O Afonso – mas qual? há que distingui-los, todas têm um – está tão crescido que anda de costas e olhos fechados ao mesmo tempo sem nunca cair.. mais de 3 vezes. Isabel joga a sua arma predilecta: o rebento maravilha.
Sandra e Cláudia esmorecem um pouco, deixam-se ficar à defesa. Que é pequenino e talvez não seja boa ideia fazer isso. Há pouca convicção. No fundo querem os seus a fazer o mesmo. Prevêem-se treinos intensivos para os pequenos já a partir de logo à noite.
Isabel insiste, volta ao ataque. Já come sozinho amendoins com casca e espinhas de peixe sem nunca se engasgar. As adversárias começam a acusar cansaço, a dar-se por vencidas. Sandra denuncia-se com um grito de espanto: “A sério? Oh pá, que máximo!” 2-0, 3-0 para Isabel.
Cláudia sorri. Isabel não adivinha o movimento. Há uma primeira simulação, uma finta: “e continua sem comer a sopa?” Isabel deixa-se ficar, foi apanhada de surpresa, está parada a ver jogar. Cláudia avança: “E já dorme na cama dele?”. Empate.
Observando, Sandra anima. Alia-se a Isabel: “que mal tem dormir com a mãe? Se é pequenino e quer, que mal tem? Está só a ser boa mãe. As mães gostam de dormir com os filhos”. Cláudia fechou a defesa, dá-se por contente se conseguir manter o empate.
Isabel descontrai com a reacção de Sandra. Parece-lhe ter o jogo controlado e se empatar hoje, amanhã retomará o controlo do campeonato suburbano de troca de galhardetes. Terá tempo para se preparar para as investidas de Cláudia.
“Agora isso de andar de costas já pus no meu blog o que penso. Podes ver. Lamento, mas é a verdade”.
Isabel dribla com o link da amiga, é um momento de anti-jogo porque é inevitável ver o que está escrito. A crítica é devastadora e não há argumento de mãe que o combata. Sandra tem 3 filho e nenhum dormiu alguma vez na sua cama. Começaram a andar para a frente todos em idades diferentes e comem sopa todos os dias desde os 4 meses. Isabel poderia cilindrar tudo isto com um “mas eu gosto mais do meu”. Mas são três. E para Isabel nada bate uma mãe de mais de um filho.
Termina um dia com dois 4-3 e um 3-3 que fazem de Sandra vencedora. Amanhã novo desafio, novas abordagens e tácticas. Pode não ganhar os próximos. Mas o de hoje, ninguém lho tira.

segunda-feira, 2 de março de 2009

exercício (pitch): traz uma ideia e defende-a



de Paulo Carregosa



Sinopse: Painel de 3 árbitros de futebol que semanalmente se reúnem e analisam as “gaffes” da comunicação social (jornais, rádio e televisão).
Para ajudar na análise poderia haver de vez em quando um convidado (linguista de renome) para escalpelizar os erros de português escrito ou falado.


Hipótese de trabalho:

Um árbitro quando erra muitas vezes seguidas vai para onde? Para a “jarra” que é a terminologia usada na gíria futebolística.
Fazendo um contraponto, quando um jornalista de um jornal desportivo errasse várias vezes seguidas poderia por exemplo ir escrever duas semanas para a página de desporto de um jornal regional (Ex: A Voz de Palmela).
Um relatador que se engana várias vezes nos nomes dos jogadores? Pois bem, iria relatar para uma rádio da zona de Évora, “fazer” o U. Montemor - Estrela de Vendas Novas, da Primeira Divisão Distrital.

Poderia no painel ouvir-se coisas do género:
“Isto é uma escrita com clara influência no resultado que se pretende para a prática do bom português” É inadmissível que não se façam acções de formação a estes homens que continuam a escrever impunemente”
Ou então:
“Vamos ouvir pela 4ª vez a forma com o senhor X grita o golo no derby do último fim-de-semana. É claramente tendencioso. A forma entusiasmante, a roçar a histeria, quando grita o golo do Sporting. Mesmo que queira, não consegue esconder a clubite. Põe os seus interesses à frente dos interesses do vasto auditório que o ouve. Não há sanções para este homem? Vai continuar a relatar “derbies”?

sketch de Sílvia Otto e Pitonisa

(Uma criança a atender no Banco. Vem um casal pedir um CH. A criança evidencia o espírito controlador da mulher e o futuro infeliz da relação.)

Um casal jovem entra num banco. Aproxima-se do único balcão e não está ninguém a atender.
Mulher: Não está cá ninguém!
Homem: Mas a porta estava aberta e já passa das 9h. E está ali um casaco pendurado. Devem estar lá dentro.
Mulher: Está aí alguém?
Homem: Bom dia, desculpem, está aí alguém?
Ouve-se um ruído de uma buzina que toca duas vezes. De uma porta atrás do balcão sai de repente uma criança com 7/8 anos de bicicleta e faz uma travagem brusca junto do balcão. Sai da bicicleta, atira-a para o chão. Veste o casaco de fato que estava pendurado no bengaleiro e que lhe fica grande demais. Sobe para a cadeira, onde se coloca de joelhos.
Homem: Olá…
Criança: Olá.
Mulher: Bom dia. Nós vínhamos pedir informações sobre o Crédito Habitação. Queremos fazer uma simulação.
Criança: Vão-se casar?
Mulher: Vamos casar no sábado.
A criança vira-se para o homem.
Criança: Tu vais casar com ela?
Homem: Vou…
A criança faz uma careta. Debruça-se sobre o balcão e segreda ao homem.
Criança: Olha que ela é um bocadinho gorducha. E tem os cabelos vermelhos – não tens medo que ela seja um monstro?
Mulher: Desculpa, filho, mas podes fazer-nos a simulação ou não?
A criança olha para a mulher e retira papel e caneta de debaixo do balcão. Começa a ler.
Criança: Va-lor-do-i-mó-vel?
Mulher: 100 mil euros.
Criança: São quantos zeros depois do um?
Homem: São cinco zeros.
Criança: Va-lor-do-fi-nan-ci-aaaa-men-to?
Mulher: 85 mil euros.
Criança: Agora são menos zeros, não são?
Homem: São só três...
A criança volta-se novamente para o homem:
Criança: Tu és simpático, não devias ir casar com ela. Ela tem coisas pretas nos dentes.
Mulher: Despacha-te lá com isso, filho, antes que faça queixa de ti. E tu, pára de lhe dar trela!
Criança: Não devias falar assim com ele. Ele fica triste.
Mulher: Ele aguenta bem, despacha-te lá com isso.
Criança: Quando tiverem bebés, vão sair todos com o cabelo vermelho e todos os meninos vão gozar com eles.
Mulher: Já chega de brincadeira. Quero falar com o gerente!
Criança: O gerente não está. Foi levar uma pica.
Mulher: Então vou-me embora! Vamos embora.
Homem: Então querida, não é preciso exagerar…
Mulher: Não vens, vou sozinha!
A mulher abandona o banco. O homem encolhe os ombros.
Criança: Ela vai chorar? Eu quando fico zangado, depois às vezes choro.
Homem: Humm... não sei. Olha… posso experimentar a tua bicicleta?

campanha DOCE LIMA

Briefing
A Doce Lima, é uma cafetaria situada em Porto Salvo, concelho de Oeiras, que existe há 6 meses.
Veio romper com o panorama dos cafés da zona onde se insere, uma vez que os existentes encontram-se não só desactualizados como estagnados no tempo (a maior parte deles têm mais de 30 anos).
O objectivo desta campanha publicitária é divulgar a Doce Lima e os seus serviços, dando a conhecer a sua existência de forma mais alargada e com isso gerar reconhecimento.

Ideia
Através de uma acção de rua, conseguir gerar o boca-a-boca (marketing viral) Para isso, seria utilizado como pano de fundo desta acção a Fonte Luminosa – um ex-libris do concelho, símbolo do mesmo, e que proporciona uma elevada visibilidade, visto que é local de passagem para milhares de pessoas diariamente.
Assim sendo, como existe um chá chamado doce lima, transformar-se-ia a Fonte numa espécie de chá, recorrendo à ajuda de químicos que tingissem a água de verde - a cor dominante na decoração da cafetaria.
Paralelamente, com a ajuda de figurantes confortavelmente sentados em cadeiras insufláveis (daquelas de boiar nas piscinas), recriar-se-ia o tipo de actividades que de facto se podem fazer na doce lima, tal como comer, ler os jornais do dia, ou consultar a Internet. Haveriam ainda os figurantes que representariam os empregados, vestidos a rigor e envergando bandejas, e que circulariam pela fonte para atender estes clientes.

Meios
Para que a acção tivesse sucesso e como forma de complementá-la, seria necessário distribuir flyers com informações acerca da cafetaria, para que se pudessem ligar as duas coisas: a acção a decorrer e a Doce Lima. Esses flyers seriam distribuídos na zona onde decorreria a acção, nomeadamente: Oeiras parque, Parque dos poetas, Fórum Oeiras, Izi, e junto às várias entradas da rotunda.
Para além disso, enviar-se-iam ainda comunicados de imprensa aos órgãos de comunicação locais.

Slogan:

Doce Lima: sabe bem estar.
Ou
Doce Lima: só não pode viver aqui.


Helena Pereira e Marta Spínola

sketch de Sofia Oliveira



Cenário: Consultório da ginecologista num hospital de freiras.

Intervenientes: Médica ginecologista das beiras nos seus 50 e muitos anos e rapariga nos seus 35 anos, chamemos-lhe Isilda.

A rapariga entra no consultório da médica pouco passava das 9 e meia da manhã e senta-se na cadeira em frente à secretária da médica.


Médica - Então, o que a traz por cá?

Isilda - Consulta de rotina.

Médica - Muito bem. Quantos anos tem?

Isilda - 35 anos.

Médica - Tem filhos?

Isilda - 1.

Médica - Abortos?

Isilda - 0.

Médica - Método contraceptivo?

Isilda - Não uso.

Médica - Não usa? Mas é sexualmente activa?

Isilda (já a pensar que se estava a meter num sarilho) - Sim.

Médica (repetindo) - Então? Contraceptivo?

Isilda - Não uso.

Médica - Então? Está a tentar engravidar?
Isilda – Não.
Médica – Bom, toma a pílula?
Isilda – Não.
Médica – Tem aparelho?
Isilda (com alguma vontade de rir) – Não.
Médica (já a esgotar as hipóteses) – Eeeerrrr, coito interrompido?

Isilda (a tentar manter a pose) - Não, tenho relações com uma mulher.

Médica (com um sorriso muito, mas muito amarelo e gaguejando) - Mas... mas... tem um filho. Inseminação artificial?

Isilda - Não, foi mesmo ao natural.

Médica (levantou finalmente os olhos do papel e pensa que afinal Isilda tem cura) - Aaaah, mas já teve relações com o sexo masculino?

Isilda - Sim.

Médica (a olhar para a linha da contracepção) – Eeerrr... E agora o que é que eu coloco aqui?Isilda - Pois, não sei.

Médica - Olhe, ponho sem actividade.

Isilda (com ar de pânico) - Com caraças, SEM ACTIVIDADE???? Também não é preciso sermos tão radicais!

Apreensões



sketch - versão saga - de Carlos Natálio


Como todos sabemos a GNR de Braga apreendeu na passada semana edições de um livro apenas porque a sua capa era o famoso quadro de Courbet “A Origem do Mundo” - por ser considerado pornográfico. Ora a actuação da nossa guarda promete não ser acto único, ao invés parece ter-se aberto a caixa de Pandora das apreensões. Vamos ver.

1.
Um grupo de GNRs invade o Louvre. Chegam perto do quadro da Mona Lisa e pedem para pararem as máquinas fotográficas dos turistas. Segue-o o director do museu.

GNR
Boa Tarde.
Façam o favor de evacuar. Por favor, dêem espaço.

A multidão de turistas está atónita.

GNR
Por ordem do tribunal vamos confiscamos aqui a Mona.

DIRECTOR DO MUSEU
Mas porquê monsieur agente?

GNR
Os nossos cães pisteiros detectaram na Mona Lisa um olhar guloso. Além disso, vai contra os bons costumes. Vai contra os bons costumes ter um quadro tão bonito tão longe de Portugal que uma pessoa para o ver tem de se meter num avião. Vá. Vão ter de me desculpar mas só estou a cumprir ordens. Rapazes saquem o quadro da parede para nos pormos em marcha qu’isto até Braga ainda é um esticão.


2.
Na rua um jovem acaba de pedir um cahorro numa banquinha e começa a comê-lo. Chega-se a ele um GNR.

GNR
Boa Tarde. Vou ter que apreender a salsicha do seu cachorro.

JOVEM
Porquê, seu guarda? Tenho fome...


GNR
Ainda pergunta porquê? Porque é uma salsicha de Viena. E o senhor está a comê-la com gosto. É comportamento desviante.
Abra lá o pão senão vou ter de remover a salsicha pela força.

O jovem abre o pão. O GNR remove a salsicha com umas luvas especiais.

JOVEM (a medo)
Posso comer um hamburguer?

GNR
Tá a fazer-se de engraçadinho? Vá, siga la o seu caminho senão quer arranjar chatices com a lei.

JOVEM chega-se ao vendedor e pede um hamburguer. GNR aproxima-se de novo.

GNR (para o vendedor)
Não ponha tomate, tá bom?


3.
Soraia Chaves está a fazer festinhas a um pato no jardim em poses provocantes e de mini saia.
GNR aproxima-se mirando-a.

GNR (tímido)
Bom Dia... É a senhora Soraia Chaves não é?

SORAIA
(mostrando as mãos com bocadinhos de pão para os patos)
Agora não lhe posso dar um autógrafo...

GNR
Desculpe mas vou ter de a apreender.

SORAIA(surpreendida)
Mas porquê seu guarda?

GNR
Ainda pergunta? Olhe para isso (apontando para o rabo e mamas com o cacetete). Acha bem? Uns com tanto e outros tão pouco... Atentado ao pudor. Você é uma metáfora pornográfica.

SORAIA
Eu sou uma pessoa, como se atreve a chamar-me isso?

GNR
(confuso)
Bom... a mim disseram-me que era uma metáfora e das boas. Vou ter de a levar comigo para a esquadra. Vamos lá.

GNR escolta Soraia.

SORAIA (confusa e fazendo birra)
A mim sempre me disseram que era uma pessoa...


4.
GNR invadem um concerto de Quim Barreiros com bailarico. Quim Barreiros toca “Quero Cheirar Teu Bacalhau”.

GNR
Boa noite. Desculpa interromper a festa sr. Quim Barreiros.

QUIM
Que se passa sr guarda?

GNR
Temos ordens para apreender o bacalhau da sua canção.

QUIM B.(incrédulo)
Mas porquê?

GNR
Porque “cheirar o bacalhau” é uma metáfora pornográfica. Além disso, os bacalhaus estão em extinção...

QUIM (surpreso)
Bom... se tem que ser leve lá isso...

GNR
Um bem haja, sr. Quim.
Bom... prossigam lá o baile, com prudência.

Os GNR saem.

QUIM BARREIROS (retoma a canção)
Quero cheirar o teu....Maria. Quero cheirar o teu... Maria.

O bailarico retoma com as pessoas surpresas.


5.
A GNR invade a casa de um pornógrafo. Este é um homem de meia idade com óculos de lentes grossas que está a ver pornografia no computador.

GNR
Temos ordem para apreender o seu PC. Faça o favor de me acompanhar à esquadra.

PORNÓGRAFO
Mas porquê seu guarda?

GNR
Recebemos a informação de que o seu computador está cheio de metáforas pornográficas.

PORNÓGRAFO
(embaraçado)
Metáforas Pornográficas? Não seu guarda. Deve ser engano. Aqui não há metáforas nenhumas.

GNR
Isso é o que todos dizem.

PORNÓGRAFO
Não há metáforas cá em casa, seu guarda, tou-lhe a dizer! Eu sou um homem de bem! As metáforas a mim repugnam-me. Quer ver? Vamos tirar a limpo.(consulta a wikipedia). Cá está. Wikipedia. Metáfora: figura de estilo que passa pela substituição de uma realidade por outra.

Tá a ver? Eu não lhe disse? Não há cá metáforas... Isto é só pornografia.

GNR
(desconfiado)
Tem a certeza que não está a visionar metáforas?
(apontando para uma fotografia de um site porno)
De certeza que não há aí uma realidade em vez da outra?

PORNÓGRAFO
Ó seu guarda... Então não se vê logo que não? Quanto muito há uma realidade aqui por trás... e outra aqui por cima...

GNR
(interrompe)
Tou a ver. Ok. Se é só pornografia, está tudo bem.
Deve ter sido alguma confusão... Desculpe o incómodo sim?

PORNÓGRAFO
(aliviado)
Ora, de nada...sr agente. Essas coisas acontecem.

O GNR sai. O pornógrafo vai de novo para a frente do computador.

exercício - campanha para a cafetaria DOCE LIMA

CLIENTE:
Cafetaria Doce Lima – Porto Salvo

CARACTERÍSTICAS:
. Cafetaria inserida fora do meio urbano
. Aspecto moderno e arrojado para a zona
. Serviços de cibercafé e internet wireless

OBJECTIVO DA CAMPANHA:
Dar a conhecer a Doce Lima e atrair novos clientes

CAMPANHA:
Num local estratégico de Porto Salvo é montada uma chávena gigante (feita em esferovite, por exemplo) com o logótipo da Doce Lima.
Junto a ela existem flyers com informações sobre a cafetaria, nomeadamente localização, serviços e horário de funcionamento.


MENSAGEM CHAVE DOS FLYERS:
Venha à Doce Lima, traga a sua própria chávena (feita por si) e nós oferecemos-lhe um café.

CLAIM:
Doce Lima: Um reflexo de si

OBSERVAÇÕES:
A campanha pode ser replicada ao longo do tempo, alterando o objecto e a oferta, para Chás, galões, laranjadas etc.

Susana Crispim
Vasco Cardoso

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Uma vez porca, para sempre porca



exercício de sketchs - Pedro Amaral/João Silva


CENA I - INTERIOR – PISTA DE DANÇA DO QUEEN’S – NOITE

Entramos na pista de dança do Queen’s, onde poucos dançarinos fazem os seus rituais habituais de dança e flirt. Ao centro, uma porquita de vinte e poucos anos assume o protagonismo. Veste calça branca transparente que mostra um fio dental. Tem um top de lantejoulas, umas sandálias stiletto e maquilhagem berrante. Tem um piercing na sobrancelha e no lábio inferior, no lado esquerdo, com um brilhante.

O plano aproxima-se da cara de Kátia e num efeito de time lapse somos levados para o seu futuro.

CORTA PARA:

CENA II - INTERIOR – RESTAURANTE – NOITE

Estamos à mesa com várias pessoas. Kátia chega à mesa apoiando-se no ombro de um rapaz novo, na casa dos 20. Está muito mais velha e visivelmente embriagada. Ao dobrar-se para tirar uma foto com o telemóvel Hello Kitty a ela e ao rapaz, mostra a sua tatuagem tribal no fundo das costas, já enrugadas.


KÁTIA
Olha p’raqui bebé. Esta vai pó hi5.

RAPAZ
Eeer... Mas eu...

KÁTIA
(enfiando-lhe o indicador na boca como que a dizer “Chiiuu”)
Não fales. Deixa rolar.
(e enfia-lhe a língua nos ouvidos)

O rapaz levanta-se imediatamente e foge desculpando-se com uma ida à casa de banho.
Ao chegar, visivelmente perturbado, senta-se e foca o olhar no tremor da mão da velhota. Esta apercebe-se que o jovem lhe olha para as mãos e diz:

KÁTIA
Gostas?

O jovem ignora-a, ainda perturbado, e mete conversa com os restantes presentes à mesa. De repente começa a sentir algo verrugoso, calejado e frio na canela. Era a velhota que empernava com ele enquanto o olhava por detrás de uns óculos garrafais.
O rapaz não aguenta mais, faz um gesto bruto na mesa que cala todos os comensais e grita:

RAPAZ
PÁRA, AVÓ!