sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A entrega - uma história sem porquê

O Sol está alto. Daqueles responsáveis pela terra branca. Daqueles cortados pelos abutres às voltas, à espera de mais um caído para alimento. O vento calou-se com a manhã e de barulhos só os metais das botas manchadas de sangue do único capaz de andar por ali.
Passo a passo, um esqueleto vestido de pó, de seu nome Higgins, arrasta os pés até à entrada de Peaceville.
A pequena vila é mais uma pedra grande no meio do deserto, com as suas míseras dez casas e a velha capela ao fundo, antes da continuação da estrada.
Ao passar a placa tosca com o nome da cidade, Higgins vira à esquerda e pisa a madeira do alpendre sem acordar o cão. As mãos, tal como o espírito, estão em baixo. Na cara, o sorriso, tapado pelo cabelo negro escorrido, mantém-se.
O xerife abre-lhe a porta devagar e vê nos braços as marcas da noite anterior. Vê também o velho Turner e a família. O sangue. A casa escancarada e as gavetas intactas. O cata-vento como único habitante.
Nem pede explicações, mas promete a si mesmo e ao monstro à sua frente:
- Nunca mais ouvirás a voz de alguém na tua vida.
Os abutres protestam e o velho protector cospe no chão.
Menos um pedaço de escumalha a perturbar a fina calma de Peaceville.
João Silva

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