sábado, 21 de fevereiro de 2009

Este fim-de-semana não escrevi um livro


crónica de Susana Crispim

Assusta-me a velocidade estonteante a que se escrevem e lançam livros hoje em dia. E como se isto não fosse por si só um factor perturbador, fico ainda mais perplexa quando observo a variedade dos assuntos abordados.
Numa rápida passagem pelos escaparates até a pessoa mais distraída percebe que há literatura para todos os gostos: livros ditos light, livros de culinária light, manuais de auto-ajuda, testemunhos de como ser diferente afinal é ser igual, histórias baseadas em factos reais, contos inspirados em vidas incríveis reveladas em programas de televisão, auto-biografias, biografias autorizadas, biografias não autorizadas, relatos de relações amorosas entre figuras que se assumem como públicas, posts dos mais diversos blogs passados a papel; enfim…
E depois há os títulos – que no meu modesto entender só podem ser fruto de longas horas de brainstorming – igualmente desconcertantes. São sempre qualquer coisa do género «O que é uma mulher loura vê num homem moreno», «Como as minhas limitações físicas me guiaram para o caminho da Luz» ou «Eu estive num reality show da TVI e sobrevivi para contar a história».
Com tamanha e tão vasta oferta, quase imagino as conversas entre dois profissionais da literatura – devidamente sindicalizados, é claro – depois de estarem algum tempo sem se ver:
- Então, pá, o que fazes? Já não te via há séculos!
- Eu sei, tenho andado ocupado, este fim-de-semana então foi tramado.
- Ai é, porquê?
- Tive que ficar com os miúdos porque a minha ex tinha trabalho. Bem, mas mesmo assim ainda deu para escrever um livro de contos.
- Isso é que foi, ahm! Olha pois eu estive sozinho e por isso consegui deitar abaixo mais cinco capítulos do meu novo romance.
Surreal? Só talvez um pouco.
Bem, mas analisando a questão de forma prática – até porque ninguém está interessado em grandes dissertações sobre o que quer que seja -, esta produção de literatura com a rapidez de quem avia hambúrgueres no McDonalds explica-se em dois tempos. Primeiro, vivemos em plena era de “choque tecnológico”, em que o mais comum dos mortais tem um computador. Eu, por exemplo, já aderi ao Magalhães. Se serve os nossos ministros, também me serve a mim. O segundo tempo remata a explicação: o software certo e o acesso gratuito à página do Priberam resolvem os problemas da ortografia.
Hoje é tudo fast, os jornais lêem-se entre as estações do Parque e Avenida e não há muita diferença entre comprar um livro ou um detergente para a roupa. Queremos sempre mais, por menos. Afinal oferecem quase todos o mesmo e assim sendo a escolha é 99% das vezes feita em função do preço. No fundo, a avaliação resume-se a isto: «Um romance de quinhentas páginas por dezanove euros? Parece-me razoável. Ah, mas espera aí, este tem setecentas e só custa dezasseis. Afinal levo este».
Pois é, desiludam-se os leitores e duvidem sempre que algum escritor disser que escrever é um acto de sofrimento, de quarentena prolongada e de introspecção profunda. São balelas para conquistar clientela.
Quanto a mim e por mais que me custe, tenho que assumir publicamente e nestas poucas linhas o meu falhanço. Este fim-de-semana não escrevi um romance, nem um livro de contos, nem sequer compilei as pequenas histórias que todos os dias invento e conto à minha filha antes dela dormir. Sou de facto um fracasso, porque este fim-de-semana só escrevi uma crónica.

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