sábado, 21 de fevereiro de 2009

o YOP de Rossana Amador

25 de Fevereiro de 2009,

Ás 18h37 expira o meu prazo de validade. Não tenho grandes feitos de que me orgulhe, não tenho grandes lembranças. Nunca fui o melhor da rua a jogar ao berlinde, o que tinha as botas mais engraxadas do quartel, ou o que lava as casas de banho com uma mestria simplesmente munido de uma escova de dentes. Quando penso nisso constato a inutilidade de numa guerra saber limpar, ladrilho a ladrilho uma casa de banho decentemente.
Nunca fui o pai babado, mas o cabrão que não aguenta a mulher em casa a remoer as dificuldades de inventar uma nova ementa para a semana, e assim sendo, tem uma suplente que não reclama das dores de cabeça e geme bem alto para meter inveja aos vizinhos.
18h37, porque não 18h38, ou mesmo às 18h40? Porque certamente a minha morte é escandinava e entretanto há uma festa vernissage às e 45 e chegar atrasado 1 minuto significa perder a oportunidade de cravar o dente em pelo menos 2 camarões.
Vantagem tive a de me chamar Yop, dava para fazer os trabalhos de casa enquanto o resto da turma os lia ou então chegar mais um minuto atrasado e não faltar á chamada. Não! Estou a ser demasiado benevolente. Há mesmo só desvantagens. A de me chamar Yop e ter que levar com piadas que envolviam a família Von Trapp e o José Figueiras vestido de tirolês.
Posso dizer que evolui, já não convivo com a gritaria da minha mãe a chamar-me para jantar. Aquela que conseguia ser ouvida pelo menos no bairro todo. Só de me lembrar como me arrepiavam aqueles berros à janela “Oh Yop Migueliiiii”, isto enquanto sacudia os tapetes do quarto e lhe batia furiosamente com a mão.
Nunca tive grandes gostos para vestir, digamos que certamente azul e roxo não é grande escolha para o dia em que se morre.
Apenas me questiono sobre o que poderá acontecer. Será que a minha alma se transformará numa nata pastoso, meio esverdeada…ou me virá um gosto a azedo à boca mesmo antes de expirar?

Lembro-me que não tirei a louça da máquina.
18h35.
Batem-me à porta. Fui abrir. Ao contrário do que esperava não era ninguém alto e louro.
Tinha bigode, mãos peludas e ásperas e um certo cheiro a cigarrilhas cravado naquele blusão surrado de cabedal. Entre dentes atirou-me:
- Vamos embora que ainda tenho que levar uma velhota que mora ali na mercearia e apostei com o Evandro que conseguia que ela morresse enquanto tira uma embalagem de tampões da prateleira de cima.

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