sábado, 21 de fevereiro de 2009

crónica de Marta Spínola

Crescer não é fácil. Dir-me-ão que aos 31 anos já não devia pensar que estou a crescer. E não penso. Recuso-me a avançar mais que até aqui. Pelo menos no que toca a interacção com estranhos na rua, desconhecidos em transportes e shoppings e o ocasional colega de trabalho.
Cresce-se com o que cremos serem premissas: não se mente, não se ofende, não se diz tudo o que se tem vontade. Diz-se bom dia e boa tarde quando se entra nalgum lado, segura-se a porta e dá-se lugar às pessoas mais velhas. Pormenores.
Chegado a adulto abre-se uma porta que desvirtua toda a regra de civismo. É tão inexplicável como repentino, lembra quase David Lynch.
Não se ouvem pedidos de licença ou desculpa, um encontrão é banal e ignorado por quem o dá. Ouve-se falar alto e rir alarvemente. Vê-se mastigar de boca aberta e falar de boca cheia.
É comum o silêncio que se segue a um “bom dia” quando entro no elevador do lugar onde trabalho. Já o digo alto de propósito. E um dia, sonho dizê-lo até ter resposta. Sempre em crescendo, cada vez mais alto. Na falta de uma resposta, tenho caras incrédulas para guardar na memória e me rir de vez em quando.
Se a proximidade for grande – e para o ser basta dizer “bom dia” diariamente a alguém – corre-se o sério risco de ouvir: “estás obesa”, “ficaste muito mal nesta fotografia” ou “comes maçãs com casca? Que nojo”. Apetece responder “ficaste mal nesta minha vida. Adeus” e passar à fase do “falamos o estritamente essencial” que não é transmitida, mas passada eficazmente no formato iceberg.
Depois há regras que na forma como são passadas ou transgredidas são muito mais subtis. Raro será o pai ou professor que ensina que não se fumam ervas e plantas ou porquê. E também costuma ser tão pouco uma regra, que contorná-la quase não parece estar a agir mal. Mas sabendo-se, cai o Carmo e a Trindade - rico filho, que te desgraçaste.
Michael Phelps fumou marijuana e deu início a um festival a que já quase não ligamos do redundante que se tornou. Muito barulho por quase nada é tipicamente americano. Mas haverá pelo mundo fora, muita gente a não crer, a julgar o rapaz que idolatravam há menos que um ano. De certa forma, um filho de todos.
A única diferença que poderá haver é que Michael Phelps e sua caixa-de-ar, das duas uma: exigem um maior consumo ou o efeito é mais rápido – arriscaria quase nulo. De resto não vejo que lhe retire o mérito das medalhas que ganhou.
Depois gosto de pensar que Maradona cheirou linhas de coca toda a vida e é hoje o seleccionador nacional. Indiscutível que tenha sido o maior do seu tempo, mas também Phelps é meio anfíbio e isso levou-o a ter medalhas até ao enfado. Meu. E eu não enjoo com facilidade do ouro.
No limite tiram-se as medalhas a Phelps ou as linhas a El Pibe? Parece-me óbvio que o assunto morre aqui e se deixam as medalhas ao miúdo.
Entretanto, disse-se de tudo sobre um e outro, de preferência do mais novo que é mais recente e mais saudável. Por defeito, fala-se mal e goza-se a desgraça alheia. Vejo Phelps e Maradona rir do alto dos seus milhões.
Diz o Tambor no Bambi, a certa altura, que lhe ensinou o pai: “Se não for para dizer uma coisa boa, então não diga nada”. Tambor não é Confúcio ou Kant. Mas é sábio e acessível a todos desde a mais tenra idade.

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