sábado, 21 de fevereiro de 2009

O olhar vazio dos barmen


crónica de Pedro Amaral


Nunca ninguém me perguntou qual era o maior sinal de indiferença. De forma visionária e preventiva registo-o aqui: o olhar vazio dos barmen.
Odeio-o tanto quanto o invejo. Odeio-o como àquela manilha seca que sei que nunca vou safar. Invejo aquela carta e quero-a no meu baralho de reacções presunçosas. Gostava um dia de sentir a glória de envergar esse olhar após um argumento falhado.
Sentir será talvez o início da contradição, uma vez que os barmen têm a alma morta como atestado daquele olhar. Pelo menos a partir da hora que passam o balcão, nada mais há que um vazio negro nas suas veias.
O seu posto alto na hierarquia noctívaga dá respeito e crédito, o direito àquele olhar. Vazio, drenado em noites a mudar líquidos de recipientes.
Do outro lado do balcão estou eu, encostado. Grande parte da minha noite inclui vários encontros forçados com o barman, estou-me a cagar - só quero a merda da bebida.
À primeira vista, e antes de reflexão aprofundada sobre este tema urgente, podemos pensar que o barman se acha o James Dean dos copos e gelo.
Quem fala ao barman, o cumprimenta, está automaticamente também um patamar acima da plebe nocturna. Isto motiva ainda mais o ódio do plebeu, ignorado.
Tal conclusão apressada esconde a verdade do drama revelado anteriormente. E quem é desconhecedor do olhar vazio dos barmen é, certamente, daqueles que se enerva e insulta o criado das bebidas. Porque não o vê como é, um criado, vê-se ameaçado na espera, inseguro no seu papel de macho alfa. Quem se pica com o barman está portanto muito mais em baixo na lista das minhas comichões nocturnas, junto dos que tratam de forma efusiva os barmen, tentando apanhar migalhas de atenção, fazer um amigo. Não obstante, continuo-me cagando e à espera da merda da bebida.
A única coisa que recebo detrás do balcão é o olhar de quem distingue uma forma do outro lado de um aquário, mas apenas por dois segundos.
Finalmente ei-la: o olhar vazio do barman converte-se numa alegria alcoólica, fresca.
Dou-lhe a nota com o meu olhar confiante, em modo de aval como quem diz: “Sei que a tua vida é merda, mas vê lá se para a próxima demoras menos.” Para um barman, deve ser o maior sinal de indiferença.

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