quinta-feira, 30 de abril de 2009

exercício: juntar numa cena a minha personagem com a de um colega


Segue o TPC.
É uma cena entre o Vicente e a Julieta (personagem da Ana Isabel).
Tem curtas aparições de personagens de outros colegas.




João Madeira da Silva









Cena de “SOCIOGLOTA” (título de trabalho)



01 – int. – escadaria da ursula noite

A porta do prédio de Ursula fecha-se. Vicente e Julieta sobem a escada muito íngreme agarrados às paredes e a rir. Não acenderam a luz. Riem baixinho para não acordarem os hóspedes. Quando chegam ao primeiro patamar descalçam os sapatos.

julieta
Temos de nos descalçar?
Vicente sorri curvado a tentar tirar as botas pesadas. Julieta, aparentemente bêbeda, vai-se metendo com ele.
vicente
Temos. Mas está difícil.

julieta
Por causa do barulho? Não queres que saibam que estou aqui contigo, é?

vicente
É por causa das limpezas. Para não levarmos porcaria para o quarto.
Julieta continua a meter-se com ele.
julieta
Chamaste-me porcaria, Sr. Rabisco?

Vicente consegue descalçar a primeira bota e,
desengonçado, agarra Julieta na cintura.
vicente
É. Tenho o hábito de insultar as raparigas que trago para casa.

julieta
Achei que ias dizer cama...
Alguma tensão. Ele beija-a e volta-se
Rapidamente para a segunda bota.
vicente
Agora lês os pensamentos, é?

Julieta beija-o agarrada ao seu pescoço.
Ele levanta-a e ela descalça lentamente
as sabrinas, usando apenas os pés, sempre
a beijá-lo. Depois larga-o e sobe rapidamente
as escadas enquanto ele descalça a outra
bota.
Vicente
Não faças barulho, ou temos visitas.
Julieta continua até chegar ao quarto.
Depois de descalçar a bota, Vicente sobe devagar.

02 – int. casa noite

Vicente abre a porta do quarto e Julieta
está só de cuecas a fazer um passo de ballet.
Ele senta-se na cama e observa-a a mudar
de posições devagar, como se ensaiasse.
Ele arregaça as mangas da camisa
enquanto conversam calmamente.

julieta
Sabias que se costuma dizer que se alguém é bom a dançar também é bom a...?

vicente
Isso quer dizer que fazes tudo em bicos de pés?

julieta
Olha, nunca tinha pensado nisso... Talvez faça, sim.

vicente
Pois eu não costumo dançar.

julieta
Nunca?

vicente
Nunca. E não é por não saber ou não gostar. Nunca se proporciona.

julieta
Se não o proporcionas é porque não gostas verdadeiramente. Eu danço quando me apetece.

vicente
Sim, mas, lá está, tu gostas verdadeiramente. Eu, no meu caso...

julieta
Desenhas quando te apetece.

vicente
Exacto.

julieta
E porque não me desenhas agora, Sr. Rabisco?

vicente
Porque não paras quieta.

Ela pára, sorridente. Aproxima-se dele e senta-se
no seu colo. Encostam as testas.
julieta
Não consigo ficar quieta para ti.

vicente
Fazemos assim... tu não páras. E eu não danço.

julieta
Combinado.

Ela afasta-se um pouco e tira dois cogumelos
de uma pequena bolsa das calças.

vicente
Já?

julieta
Não consigo estar quieta.

Devagar, Julieta come um dos cogumelos.
Depois, enfia a mão dentro das calças de Vicente.
Ele encosta a cabeça para trás e fecha os olhos.
Sente que ela lhe coloca o outro cogumelo na boca.
Puxa-lhe a cara e beija-o, sempre com a outra mão
dentro das calças.
julieta
Desenha-me com os olhos.

Vicente come o cogumelo e rapidamente
todos os sentidos estão mais despertos.
Sente os dentes a cortar o miolo do cogumelo
como lâminas e toda a magia a espalhar-se pela saliva,
pelo sangue e pela mente.
Cai para trás e nem se apercebe da forma como
Julieta, lentamente, o despe.
Na sua cabeça o quarto anda a volta. Começa a suar.
Olha para o lado e na mesa de cabeceira está
o livro de Fernando Pessoa, no mesmo sítio.
Em cima dele, Fernando Pessoa está sentado, como
se estivesse na Brasileira.
fernando pessoa
Não se esqueça da porta, meu caro. As portas merecem muito respeito.

Vicente assusta-se mas percebe perfeitamente
a alucinação.
Olha para a porta entreaberta e vê Julieta a fechá-la.
À medida que volta para a cama vai ficando
gorda e mais baixa. Disforme.

julieta
Não te sentes a perder peso?

vicente
Olhando para ti... Parece que não consegues perder peso. Mas perdeste altura.

Julieta senta-se em cima dele. Já está normal
aos olhos dele. Estão ambos nus.
julieta
Que engraçado. E como é que me vês, agora?

vicente
Vejo-te como se te desenhasse.

julieta
A carvão?

vicente
Sempre a carvão.

JULIETA
Então se me desenhas, também tenho de dançar.

Ela mete-se em pé e encosta-o para trás,
Deitando-o na cama. Começa a percorrê-lo com
as pontas dos pés. Ele deixa-se levar pelo embalo
de tudo e volta a olhar para a mesa de cabeceira,
onde Fernando Pessoa se mantém.


FERNANDO PESSOA
Não se preocupe, estou de saída. E aproveite-a. Seja qual for a forma dela agora, será sempre ela. A que o meu amigo escolheu para si.
Julieta puxa-lhe a cara e Fernando Pessoa
desaparece.

julieta
Deixa-me dar-te o que tenho.

vicente
Claro que deixo.
De que outra forma te poderia desenhar?


FIM

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