quinta-feira, 30 de abril de 2009

Perfil do fantasma

Henrique Vaz Oliveira nasceu a 6 de Abril de 1881 no Monte, pequena vila da ilha da Madeira e morreu a 24 de Fevereiro de 1939 exactamente na mesma cama onde nasceu.
Homem nobre, de famílias abastadas, pouco fez na sua vida para além de gerir patrimónios e a sua própria vida social. Casou-se com Matilde, também ela de sangue azul e teve 7 filhos, todos homens. Era gordo, tinha um bigode farfalhudo e fumava cachimbo. Tinha os olhos azuis, muito pequeninos e afastados um do outro. Andava de bengala por ter nascido com uma perna menor que a outra. Esta pequena deficiência o impedira de ter uma infância normal pois não podia correr e brincar como os outros meninos. Esse problema interferiu com a sua personalidade, tornando-o inseguro. Para disfarçar essa insegurança gritava com tudo e com todos quando algo não estava do seu agrado e falava constantemente de si como um ser superior, a ver se convencia os outros e a si mesmo. Era um homem culto, leu todos os livros da gigante biblioteca que possuía no rés-do-chão do seu casarão. Ligava muito às aparências visto que era disso que vivia, não possuía outro talento que não fosse o de parecer mais do que na verdade era. E a verdade era que estava falido, não sobrava muito da fortuna que herdara. A maior parte do seu esforço centrava-se em fazer com que ninguém descobrisse isto, principalmente a sua família, que acreditava piamente na riqueza do velho. Mas quem foi em vida não nos interessa muito, uma vez que vamos conhecê-lo apenas na morte, como um fantasma que assombra a casa construída pelo seu bisavô, o duque do Monte.

Henrique é um fantasma inconformado com a sua morte ridícula. Foi uma espécie de suicídio acidental. Andava paranóico, acreditava que um dos seus filhos queria matá-lo para ficar com a suposta fortuna. Dormia com um antídoto que revertia o efeito de qualquer veneno que lhe pudessem dar. Na noite fatal, comeu qualquer coisa estragada e quando se deitou sentiu-se mal. Achou que o tinham envenenado e tomou o antídoto que acabou por o matar. Quando “acordou” morto não queria acreditar na estupidez. Jurou não sair jamais de casa, para não correr o risco de encontrar um fantasma amigo seu e vê-lo a rir-se da sua cara. Assistiu a tudo. Ao seu velório, à incredulidade na cara da família quando descobriu que estava falida, à venda da casa a completos estranhos. A sua missão de morte ficou nesse momento definida: nunca deixaria nenhuma família sem origens ocupar a sua nobre casa. Ao longo dos anos, outros fantasmas juntaram-se a ele: dois dos seus filhos, uma neta, um casal de criados e o seu bisavô que na verdade nunca tinha saído dali. Henrique é um fantasma confiante, perdeu a sua insegurança juntamente com a sua bengala, agora não há nada que o impeça de mover-se livremente, nem peso tem, apesar de manter a aparência exacta que tinha no momento da sua morte. Como agora tem uma missão e objectivos claros na sua cabeça transparente (coisa que nunca teve em vida), tornou-se num homem, perdão, num fantasma competente, inteligente, forte, seguro de si mesmo, com um grande espírito de liderança. Resumindo, é um fantasma assustador, daqueles que não convém ter em casa, principalmente quando a casa é dele e ele não nos quer por perto. O problema é que ele vai ter de mais uma vez mudar um pouco a sua personalidade, uma vez que está numa situação delicada: a sua casa está em ruínas graças ao seu sucesso. Uma casa sem gente começa a cair aos bocados e nenhum fantasma (nem mesmo um tão bom no que faz como ele) tem poder para reconstruí-la. Para sobreviver (ou sobremorrer, neste caso) terá de agradar os seus novos inquilinos e isso, é uma coisa que ele ainda não sabe fazer e vai ter de aprender.
Andreia Ribeiro

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