quinta-feira, 30 de abril de 2009

Eu, Jorge de Couto Galvão

Gosto de mim. Ponto. E é tanto assim que não confio a ninguém a tarefa de me descrever. Odeio mesmo quando, nos inúmeros eventos sociais para que sou solicitado, alguém decide apresentar-me: «Este é o Jorge, tem 42 anos, é solteiro, um excelente partido e advogado nas poucas horas livres». Que redutor! O nome está certo, a idade é só um número e o estado civil e profissão pouco importam.
No espelho vejo um homem interessante de quase 1,80 m, corpo bem trabalhado no ginásio e olhos cuja cor é para muitos sinónimo de traição. É certo que as rugas já vão aparecendo, mas não creio ter que recorrer a implantes capilares tão cedo.
Vivo com o meu pai e a minha tia numa casa solarenga ao Chiado. «Com essa idade, eis o defeito número um», dirão. Esqueçam: tenho uma bela área só para mim, posso entrar e sair sem que se apercebam e as beldades que têm a sorte de me acompanhar até casa nem sonham que ali vive mais alguém. Bem, na verdade as que lá chegam não têm muito tempo para sonhar.
Sou mesmo advogado num escritório que dá renome à família há gerações. Exerço pouco, nada, mas sempre vou dando alguma felicidade ao meu pai. Já basta ter ficado sem o amor da sua vida quando eu nasci. Nunca conheci a minha mãe. Só posso acreditar que era tão bonita quanto o meu pai diz – seguramente saí a ela -, pois não há em toda a casa um único documento que ateste o que ouço desde sempre. Se pergunto à minha tia porque não há nem um retrato, ela responde-me, sempre de fugida, que o irmão não aguentaria o desgosto de ter que olhar para ele. Houve alturas em que a curiosidade me fazia vasculhar armários e gavetas à procura de uma fotografia esquecida. O tempo e alguns anos de psicoterapia ajudaram-me a ultrapassar esse vazio.
Acho que já disse que vou a muitas festas. Só não disse que muitas delas são chatas, cheias de pseudo-jet-set e de tias oferecidas que adoram roçar-se nos meus fatos Ermenegildo Zegna. Às vezes mais vale ir ao encontro do sexo genuíno, nos sítios onde não há lugar para subterfúgios. Afinal, do Chiado ao Cais do Sodré só dista a Rua do Alecrim.
Tenho amigas (algumas), amigos (poucos) e conhecidos (demais). Para a cama costumo levar mulheres, mas umas flutes a mais de D. Pérignon já me fizeram acordar com homens ao lado. Nos dias de hoje não me parece que tal possa ser encarado como um possível segundo defeito.
A minha vida não se resume em queixas, mágoas ou arrependimentos. Vou fazendo o que quero, quando quero e com quem quero. Há quem diga que sou egocêntrico, egoísta, daqueles que pensa que o dinheiro compra tudo. Talvez até seja um pouco assim, mas nos últimos dias tenho dado por mim a pensar mais noutro ser que na minha pessoa. E que ser! Agradeço a hora em que deixei que me arrastassem para a despedida de solteiro do Gonçalo. Se não fosse isso, jamais teria conhecido a Rita. É mais velha, eu sei. Talvez não seja a nora ideal para apresentar ao meu pai, também sei. Mas tenho a certeza que os momentos mais importantes da minha existência ainda estão para acontecer e que vão ser com ela ao meu lado. O que espero da vida? A partir de hoje, tudo de bom.
Susana Crispim

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